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Lei em Campo

No vestiário, com imagem do próprio clube, e Clayson foi punido. E foi certo

Andrei Kampff

18/04/2019 13h00

Clayson foi julgado por uma declaração que fez contra o árbitro depois do jogo, no vestiário, e a partir de uma gravação feita pelo clube dele.

Tudo certo? Tudo. É assim que determina o Código Brasileiro de Justiça Desportiva, o CBJD.

Ele foi enquadrado em artigo que fala de conduta "contrária à disciplina ou ética desportiva". Não está especificada qual seria essa conduta. No direito penal, por exemplo, seria quase impossível punir alguém sem uma tipificação mais pontual.

A Justiça esportiva prefere não elencar condutas porque não seria possível diante das inúmeras possibilidades em se tratando de todos os esportes. Portanto, determina que qualquer desvio ético seja punido.

Assim fica mais fácil de entender o julgamento do atacante do Corinthians, como explica Vinícius Morrone, advogado especializado em direito esportivo e colunista do Lei em Campo. Ah, mesmo punido, Clayson estará em campo na final do Paulistão.

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Clayson condenado! Punindo o impunível

Nesta quarta-feira o Tribunal de Justiça Desportiva de São Paulo puniu o atacante Clayson, do Corinthians, com base em vídeo publicado pela TV Corinthians após duelo contra o Santos, válido pela semifinal do Campeonato Paulista. No vídeo o atleta aparece xingando o árbitro da partida, Raphael Claus, logo após o duelo.

Ainda que muitos defendam que os atletas e técnicos não possam ser punidos por expressar suas opiniões ou por se manifestar de qualquer forma fora das quatro linhas, não é isso que prevê o CBJD. Ainda que a manifestação não ocorra durante a partida (que não foi o caso do Clayson, já que aquele momento ainda é considerado como parte da partida), se ela estiver relacionada de qualquer forma ao esporte, existe a previsão de punição.

Mais que isso, no direito desportivo, diferentemente do direito penal, não há necessidade de tipificação específica para a punição. O artigo 258 do CBJD abre a possibilidade de punição de toda e qualquer atitude contrária à disciplina ou à ética esportiva, ainda que não exista tipificação específica nos demais artigos do código. Foi com base nesse artigo que a punição ao atacante corintiano foi aplicada.

A atitude do atleta, que para alguns poderia caracterizar o previsto no artigo 243-F do CBJD, que trata de ofensa à honra, para os julgadores configurou mero desrespeito ao árbitro da partida. O desrespeito aos árbitros das partidas é um dos exemplos de atitudes contrárias à disciplina e à ética esportiva que aparecem expressamente no CBJD, não deixando muita margem para dúvidas sobre sua aplicabilidade a esses casos.

No entanto, esse artigo se aplica a uma variedade enorme de atitudes, e essas atitudes não aparecem tipificadas de maneira expressa no código. Essa ausência de tipificação, em direito penal, tornaria impossível a aplicação de pena, sendo impunível aquele que praticasse o ato. No direito desportivo, no entanto, a existência do artigo 258 permite que qualquer desvio ético seja punido. Isso se dá porque cada modalidade tem uma conduta ética a ser seguida, e seria impossível prever todas as peculiaridades em um único documento, o CBJD.

Um exemplo clássico é o envolvimento de um atleta de alguma modalidade de luta em brigas. Ainda que não seja uma infração ocorrida no âmbito das competições, trata-se de uma conduta que contraria a ética esportiva e, portanto, pode ser punida pela Justiça Desportiva. Esse é apenas um de inúmeros exemplos que existem de infrações disciplinares puníveis com base no artigo 258 do CBJD, que permite à Justiça Desportiva punir o que sem ele seria impunível, deixando claro que, para participar do esporte organizado no Brasil, é preciso, além da capacidade técnica, ética e disciplina, dentro e fora das competições.

Clayson, que teve sua pena de suspensão de uma partida convertida em advertência, foi só mais um.

Por Vinícius Morrone

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.