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Lei em Campo

Esqueça seu umbigo, mesmo sabendo que o esporte vai muito além do jogo

Andrei Kampff

21/04/2019 12h30

Você provavelmente adora e repete por aí que "o futebol é muito mais do que um jogo". Pode até pensar, mas não repete tanto, que o esporte também assim o é.

Mas vai além por quê? Porque mexe com a sua emoção. Afinal, o umbigo é nosso reino.

Dito isso, agora posso eu repetir que o esporte é muito mais do que um jogo. Mas explico: além de agradar o meu umbigo, ele é também um catalizador de transformações sociais e um instrumento de paz entre nações.

A Carta Olímpica já traz como objetivo que o esporte ajude na construção de um mundo melhor; a própria ONU, com uma resolução de 2003, colocou o esporte como instrumento de desenvolvimento de saúde, educação e paz.

O esporte parou guerras; o esporte aproximou povos; o esporte recuperou pessoas.

A ONU criou o Dia Internacional do Esporte para o Desenvolvimento e pela Paz. E ele foi celebrado em vários lugares do mundo, como no Brasil. É sobre o que escreve Vinícius Calixto, advogado especializado em direitos humanos e colunista do Lei em Campo.

 


 

 

Em 2013 a Assembleia Geral da ONU instituiu, por meio da Resolução A/RES/67/296, O Dia Internacional do Esporte para o Desenvolvimento e pela Paz, celebrado em 6 de abril. A data foi escolhida para relembrar a realização dos primeiros Jogos Olímpicos Modernos, realizados no dia 6 de abril de 1896.

O reconhecimento do esporte como vetor para promoção de desenvolvimento e instrumento de paz vem sendo pauta na ONU desde 2003, quando foi publicada a Resolução 58/5, intitulada "Esporte como um meio para promover educação, saúde, desenvolvimento e paz".

Dois anos depois, a Resolução A/60/L.1, nomeada "Implementação integrada e coordenada e seguimento dos documentos finais das principais conferências e cimeiras das Nações Unidas nos domínios econômico, social e conexo", seguia essa mesma linha e reconhecia o esporte como promotor de paz e desenvolvimento.

Na Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável, o esporte figura como importante facilitador para a promoção do desenvolvimento e da paz, a partir da promoção da tolerância e do respeito e das contribuições que pode fazer para o empoderamento de indivíduos e para os objetivos de inclusão social, educação e saúde.

A instituição do Dia Internacional do Esporte para o Desenvolvimento e pela Paz vem sendo celebrada mundo afora. A plataforma "April 6" foi criada para reunir iniciativas que promoveram atividades nessa data. Tanto as Nações Unidas quanto a Commonwealth realizaram eventos para destacar o poder transformador do esporte.

No entanto, as ações que de fato mobilizaram pessoas para a prática esportiva nessa data foram promovidas por organizações não governamentais que já utilizam em seu dia a dia o esporte e a atividade física como fatores de desenvolvimento humano.

No Brasil, o 6 de abril foi comemorado pela Rede Esporte pela Mudança Social (REMS) com a realização da terceira edição do "Esporte na Rua". O evento ocorreu em sete cidades do Brasil de forma gratuita e aberto à comunidade, fazendo com que mais de 3 mil pessoas ocupassem espaços públicos para praticar atividade física.

Além das capitais – São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Curitiba –, as cidades de Jequitinhonha/MG, Maracanaú/CE e Ribeirão Preto/SP também foram palcos de atividades esportivas e brincadeiras ativas promovidas pelas instituições membros da REMS, que contaram com o trabalho de mais de 500 voluntários, entre educadores, líderes comunitários, assistentes sociais, atletas e educandos.

A data também foi celebrada mundo afora. Um torneio de boxe na Ucrânia, uma corrida pela paz na Índia, seminários nas escolas de Papua-Nova Guiné, oficinas de futebol e contação de histórias no Equador foram apenas algumas das atividades contabilizadas neste último 6 de abril.

Iniciativas como a instituição do Dia Internacional do Esporte para o Desenvolvimento e pela Paz devem servir para que possamos reativar posturas reflexivas e propositivas que levem em consideração o esporte como catalisador de mudanças sociais e promotor de direitos humanos.

Teórico do campo do esporte para o desenvolvimento e pela paz, o colombiano Alexander Cárdenas enumera cinco características particulares que evidenciam esse papel transformador do esporte: a) universalidade; b) habilidade de conectar pessoas; c) poder de inspirar e motivar; d) capacidade de conter comportamentos violentos; e e) capacidade de promover a construção da paz¹.

O esporte também tem sido utilizado em áreas de conflito e pós-conflito, atuando nas etapas da construção dos processos de paz. Para Johan Galtung, essas etapas incluem a reconstrução das pessoas e dos lugares após a violência, a reconciliação das partes no conflito e, por fim, a resolução das animosidades².

A importância do esporte como vetor de desenvolvimento e paz também é reconhecida dentro do arcabouço institucional da Lex Sportiva. A própria Carta Olímpica estabelece que o objetivo do Movimento Olímpico é contribuir para a construção de um mundo melhor e pacífico por meio da educação dos jovens por via do desporto, praticado de acordo com o Olimpismo e os seus valores

A mobilização em torno do dia 6 de abril deve nos relembrar que o esporte e o lazer são direitos humanos e também ferramentas de baixo custo e elevado impacto nos processos de desenvolvimento social e construção da paz.

Para além das nossas percepções cotidianas do esporte como fator de entretenimento ou das categorizações do esporte dispostas na lei, é preciso valorizar e estimular o esporte principalmente como estratégia ampla de mudança social.

 

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¹ CARDENAS. Alexander. Peace Building Through Sport? An Introduction to Sport for Development and Peace. Journal of Conflictology. Vol. 4, Issue 1, 2013, p. 26.

² GALTUNG, Johan. Peace by Peaceful Means – Peace and Conflict, Development and Civilization. PRIO Institute, 1996.

 

 

 

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.