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Lei em Campo

Você que adora falar sobre o jogo precisa primeiro conhecer as regras

Andrei Kampff

22/04/2019 11h30

Responde rápido, quem é o personagem do futebol que mais sofre com críticas?

Goleiro, técnico, zagueiro? Não, é árbitro. E não me venha com essa de que árbitro não é personagem do jogo, isso só vale como argumento jurídico para não ter que pagar direito de arena pra ele.

Árbitro é personagem indispensável ao jogo. O argumento de que jogo bom é aquele em que árbitro não aparece, e isso mostra que ele não é relevante, também não se sustenta.

Um time pode ganhar de três a zero do adversário. O jogo foi ótimo pra torcida do time vencedor e pro goleiro, que nem sequer fez uma defesa nem apareceu na partida, mas era personagem do jogo.

Sim. O árbitro é personagem. E é constantemente criticado. Isso é do jogo.

O que não pode ser rotineiro é ele sofrer críticas sem embasamento nenhum. E isso tem se repetido.

As pessoas criticam sem nem sequer saber o que pode e o que não pode no jogo. E isso vale pro bem e pro mal.

Às vezes as pessoas nem se dão conta de que o árbitro erra. E não se dão conta porque não conhecem as regras do jogo.

Entenda mais no texto de Renata Ruel, árbitra assistente e colunista do Lei em Campo.


 

Na final do Campeonato Alagoano, o atacante do CSA, Patrick Fabiano, recebeu cartão amarelo aos 9 minutos de jogos por atrapalhar a reposição de bola do goleiro. O jogador não reclamou, seus companheiros tampouco, o seu treinador também não, e nem sequer a imprensa que acompanhava a partida contestou o cartão – nem durante nem após o término.

Isso quer dizer que um jogador pode atrapalhar a reposição de bola do goleiro?

Não. O texto da regra do jogo diz: "Um tiro livre indireto será concedido à equipe adversária de um jogador que: impedir o goleiro de jogar ou tentar jogar a bola com as mãos ou com os pés quando estiver em processo de colocação da bola em disputa."

 

Pela regra, considera-se que o goleiro tem a posse de bola quando:

"• mantiver a bola nas mãos ou quando a bola se encontrar entre sua mão e uma superfície (por exemplo, o chão, seu corpo) ou quando estiver tocando na bola com qualquer parte das mãos ou braços, exceto se a bola rebota nele ou mesmo depois de fazer uma defesa deliberada; • tiver a bola na palma da mão aberta; • estiver quicando a bola no chão ou jogando-a para o ar.
Durante o período em que o goleiro estiver com controle ou domínio da bola com as mãos nenhum adversário pode disputar a bola com ele."

 

Patrick não cometeu uma falta, mas sim uma infração à regra, punível com um tiro livre indireto, conforme o texto acima. Dessa forma, o árbitro acertou na marcação.

Porém, a regra em nenhum momento diz que tal infração deverá ser punida com cartão amarelo. Onde está escrito sobre o tiro livre indireto, como observado acima, é prevista a infração, já no texto sobre a posse de bola; no final, nota-se que nenhum adversário pode disputar a bola. Ainda há na regra os motivos claros de quando deve ser aplicado cartão amarelo – e não consta que nessa situação o árbitro deve mostrá-lo ao jogador infrator.

Ah, mas não pode ser aplicado por retardar o reinício de jogo? Não, não pode, pois a bola está em jogo, então não há como atrasar o reinício.

 

Não é a primeira vez que um cartão é aplicado para um jogador que impede a reposição de bola do goleiro, algo visto no vídeo do Ronaldinho Gaúcho (na Europa) e também no vídeo abaixo. Porém, o cartão não se encaixa na regra pela simples ação de atrapalhar a reposição. Poderá ser aplicado um cartão se a forma de impedir for uma ação temerária ou com uso de força excessiva; todavia, isso se encaixa em outra parte da regra e dificilmente ocorre nessas situações.

 

E por que ninguém reclama? Justamente porque poucos realmente conhecem as regras do esporte que praticam, com o qual trabalham, que comentam, assistem, torcem, patrocinam.

 

 

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.