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Playoffs da NBA: craques de hoje ainda precisam agradecer a ídolo do passado

Andrei Kampff

23/04/2019 12h15

Spencer Haywood precisou fazer uma escolha nos anos 70.

A Nike era uma empresa pequena que estava entrando no mercado de tênis de basquete e queria o jogador como garoto propaganda. Então, fez uma proposta: 100 mil dólares ou 10% da empresa? Haywood escolheu o dinheiro certo.  Hoje, o percentual oferecido representaria pro ex-jogador quase 10 bilhões de dólares.

Esta talvez seja a história mais famosa desse jogador que marcou época no basquete americano, mas não a mais importante.

Agora que começou a fase dos playoffs da NBA, é importante lembrar que tem muito ídolo em quadra que ainda não disse obrigado a Spencer Haywood.

As regras do esporte mudam por diferentes motivos. Por necessidade de dar maior dinamismo ao jogo; pela evolução física dos atletas; pela inovação tecnológica. Os motivos são muitos, mas o que nos interessa aqui é a mudança das regras através de uma discussão jurídica. E o basquete viu isso algumas vezes. Com relação ao Draft, o personagem principal desse jogo se chama Spencer Haywood.

Haywood foi um dos principais nomes do basquete americano nos anos 70. De 1969 a 1975 manteve a impressionante média de 25 pontos e 10 rebotes por jogo. Foi MVP pela ABA, liga rival da NBA nos anos 60/70, campeão na NBA e olímpico pela seleção americana. Mas os feitos acabaram meio que esquecidos diante de uma conquista jurídica, que favoreceu jovens atletas desde então. Nomes como Magic Johnson, Michael Jordan, Kobe Bryant, LeBron James, … a lista é longa dos atletas que têm muito a agradecer a Haywood.

Talentoso, Haywood, com 19 anos, levou a seleção americana de basquete a medalha de ouro nas olimpíadas do México em 1968. Na mesma temporada ele obteve uma média de 32 pontos e 21,5 rebotes por partida jogando pela Universidade de Detroit.

 O desempenho impressionante o levou a jogar profissionalmente na temporada seguinte pelo Denver Rockets da ABA, a American Basketeball Asssociation, uma liga então rival da NBA. O que revoltou os puristas do basquete universitário americano. Sem dar a mínima importância para isso, com um jogo espetacular, Haywood se tornou o MVP, o jogador mais valioso da temporada.

Mas ele não estava satisfeito. Haywood tinha uma proposta milionária para jogar na NBA, uma liga mais forte do que a ABA. E queria aceitar. Mas havia um problema: o DRAFT. A regra determinava que para jogar a NBA um atleta precisaria esperar pelo menos 4 anos desde a saída do High School, o ensino médio nos Estados Unidos. A ideia era fazer com que o atleta jogasse o basquete universitário nesse tempo e só depois pudesse ser"draftado" pela Liga.

Com proposta do Seattle Supersonics, Spencer Haywood ousou desafiar a NBA. Ele foi a justiça para exigir o direito de trabalhar, mesmo sem ter cumprido os quatro anos desde a saída do ensino médio, como determinava a regra de então.

O caso Haywood vs. NBA foi levado até a autoridade jurídica máxima dos EUA, a Suprema Corte.

Em jogo, as necessidades econômicas do atleta e os danos irreparáveis para o trabalho de Haywood caso ele não pudesse ser contratado pelo Seattle. Além disso, a defesa também usou a Lei Shermann, de 1890, que legisla sobre monopólio nos Estados Unidos.

Em 1970, a Suprema Corte, por 7 votos a 2, decidiu a favor de Spencer Haywood. Ela permitiu que o atleta com 21 anos se incorporasse ao Seattle e jogasse a NBA. Assim, segundo a principal autoridade jurídica americana, o atleta não teria seus direitos como trabalhador violado.

O processo criou precedente. E a NBA precisou mudar. A partir daquele momento ela criou a Regra da Necessidade, na qual qualquer atleta poderia ser contratado mesmo sem cumprir os quatro anos desde a saída do High Scholl. Essa regra mudou a história da NBA porque praticamente todos os grande jogadores desde então chegaram a liga sem cumprir o tempo que antes era exigido.

Spencer Haywood teve um começo avassalador na NBA. Com atuações brilhantes, ele liderou o Seattle Supersonics quando a franquia chegou aos playoffs pela primeira vez. Mas depois de deixar o Sonics viveu uma trajetória obscura.

Envolvido com drogas e pouco comprometido com o jogo, viu seu desempenho cair de maneira vertiginosa. E isso acabou pesando para um reconhecimento que veio muito mais tarde do que especialistas imaginavam: em 2015 ele entrou para o Hall da Fama do basquete americano.

Reabilitado das drogas, Haywood, que essa semana completou 70 anos, se dedica a ser um porta-voz da NBA, ajudando pessoas a se livrarem da dependência química. Assim como ele se recuperou do vício, os EUA recuperaram a história desse atleta. E nesse começo de playoffs da principal liga de basquete do mundo, você já sabe porque muitos dos ídolos que estarão em quadra têm muito a agradecer a Spencer Haywood.

 

 

 

 

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.