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Lei em Campo

Se o futebol se faz música no Brasil, que seja samba

Andrei Kampff

24/04/2019 06h00

Tinha uma época que se dizia que o futebol por aqui não se jogava, se dançava.

Um jogo ritmado que se imaginou aristocrático, mas que ganhou o povo e seguiu numa batida popular.

É sobre esse casamento brasileiro entre a bola e o som que escreve Danielle Maiolini, advogada especializada em direito esportivo e colunista do Lei em Campo.

Um spoiller: na leitura você encontrará craques das letras, também testemunhas entusiasmadas dessa união que ninguém enxerga um fim.

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Calção, cuíca e chuteiras

Há quem diga que o futebol e a música se casaram de papel passado (e não estavam falando de Garrincha e Elza).

Isso porque, como brincava Gilberto Freyre, quando trouxe o esporte bretão pra dentro de casa, o brasileiro – mestiço, carioca, baiano, negro – deu um jeitinho de fazê-lo do seu jeito. Pra isso, há muito não jogava o jogo cirúrgico dos britânicos. Na verdade, aqui, quando a bola tocava os pés e seguia adiante em direção ao barbante, não se jogava jogo algum, dizia. Se dançava.

Muita gente concordava. Os mais tradicionais gostavam de comparar o bailado que fazia deslizar o jogador de um lado pro outro a uma valsa. Coisa fina. Aliás, se, de origem no alemão walzen, valsa significa girar ou deslizar, os movimentos feitos pelos dançarinos do salão não estariam longe daqueles eventualmente arriscados pelos artistas da bola.

Com o perdão da discórdia, no entanto, talvez não fosse essa a comparação mais apropriada. Se o futebol se fez música e dança, não haveria de ser no estilo aristocrático vienense. Avalie perguntar ao mesmo Freyre, e ele diria que a surpresa e os floreios do rabiscar das pernas na grama mais se equiparavam às alegorias e adereços de um grande samba-enredo. Por uma questão de origem. Como primos de uma mesma família, criados, um e outro, no povo. Eram coisas que Nelson Rodrigues dizia que vieram pra mostrar que é gostoso ser brasileiro.

Não por acaso, estiveram juntos na agenda do governo federal quando se pretendia fortalecer o nosso projeto de nação. Dali por diante, o samba não seria só música e o futebol um jogo de onze contra onze. Eram ingredientes. A pátria de calção, cuíca e chuteiras, "a dar botinadas e a receber botinadas". Todos nós e cada um de nós, com nossos defeitos e nossas qualidades. O estado de alma de se sentir brasileiro, da cabeça aos pés. Como laços de uma mesma comunhão social, marginal, o futebol e a música alimentavam a alma de quem vivia e se fazia vivo pelo movimento. Fazendo gingar o corpo fosse em um fosse em outro. "O momento em que todos se lembrassem do Brasil".

 

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.