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Lei em Campo

A morte de uma menina criou protocolo de concussão no Canadá. E o futebol?

Andrei Kampff

14/05/2019 16h00

A concussão é um problema sério. Mesmo assim, as autoridades esportivas, também no Brasil, insistem em não priorizar a saúde do atleta. O espetáculo vem sempre em primeiro lugar.

Rodrigo Caio, Fabinho e Salah, recentemente. A lista é longa de jogadores que sofreram traumas fortes, e você vai se lembrar de vários casos pelo mundo sem precisar do Google.

Nós já tratamos aqui do caso da NFL. A poderosa liga norte-americana se recusou a dialogar com Bennet Omalu, um médico nigeriano que descobriu uma síndrome causada por repetidos choques de cabeça, comuns ao esporte.

A liga já foi condenada a indenizar atletas que foram afetados pela doença em uma ação que chegou a 1 bilhão de dólares.

Foi só depois de uma avalanche de ações que a NFL criou o Protocolo da Concussão, com regras a serem seguidas a fim de proteger a integridade física dos atletas. 

Mas não é só na NFL, nem no futebol que se joga no Brasil, que a concussão é um problema grave. Todo esporte de contato, com choques de cabeça, pode provocar lesões graves. O rúgbi é um deles. E o Canadá se viu obrigado a criar uma lei para proteger jovens atletas.

O médico Hermano Pinheiro foi quem nos trouxe à lembrança esse caso (muito obrigado!).

Rowan Stringer queria ser enfermeira. Desde pequena gostava de cuidar dos outros, queria salvar vidas.

Estudiosa, ganhou uma bolsa de estudos na Universidade de Ottawa e iria começar o curso no segundo semestre de 2013. 

Seria a chance de conciliar na universidade as paixões pela enfermagem e esporte.

Rowan jogou futebol, futebol de bandeira, praticava snowboard. Mas se destacava ainda mais no rúgbi. Era capitã do time de colégio e também jogou pelo Barrhaven Scottish RFC.

Ela morreu sem começar a cursar enfermagem, mas praticando esporte.

Rowan tinha 17 anos, estava na 12ª série e a três meses de entrar na universidade quando sofreu um choque de cabeça durante uma partida de rúgbi pela equipe do ensino médio. Uma investigação concluiu que ela morreu da Síndrome do Segundo Impacto (SIS, em inglês), já que provavelmente havia sofrido duas outras concussões em dois jogos durante os cinco dias anteriores à partida em que sofreu a lesão fatal.

A causa do inchaço maciço do cérebro era inicialmente desconhecida. Um inquérito revelou mensagens de texto de Rowan para amigos descrevendo sintomas de duas lesões cerebrais em jogos anteriores de rúgbi, provavelmente concussões, cerca de cinco dias antes do golpe fatal, confirmando o diagnóstico de SIS.

A morte desencadeou uma série de discussões no país sobre os riscos dos esportes de contato para os jovens. O Canadá não tinha protocolos eficientes de concussão esportiva até aquele momento.

Segundo especialistas, o cérebro dos jovens é mais sensível a concussões. 

Eram poucas as regras que regiam os esportes juvenis no Canadá. Isso apesar do fato de que, em 2012, a Sociedade Pediátrica Canadense pediu um estatuto exigindo que todas as associações esportivas regionais e conselhos escolares desenvolvessem uma política por escrito sobre reconhecimento e gerenciamento de concussão. Concussões, segundo a sociedade, respondiam por 9% a 12% de todos os ferimentos esportivos no ensino médio. 

A morte de Rowan, a falta de cuidados com a concussão e os resultados da investigação estimularam sua família a fazer campanha pela "Lei de Rowan" em Ontário.

A opinião pública comprou a ideia, o governo e a sociedade passaram a discutir o assunto, e a lei foi aprovada. Foi a primeira desse tipo no Canadá, e entrou em vigor em 9 de setembro de 2016.

Ficou definido:

• Autorização médica de todos os atletas atingidos antes de voltarem a jogar.
• Educação obrigatória de concussão para todos os jovens atletas, pais e treinadores.
• Remoção imediata de um atleta jovem do jogo se houver suspeita de uma concussão.
• Adesão rigorosa aos protocolos de retorno ao aprendizado e retorno ao jogo para atletas jovens com concussões.

Além do Canadá, todos os 50 estados norte-americanos têm leis semelhantes ou protocolos esportivos que protegem a saúde dos jovens atletas.

Concussões entre atletas profissionais dominaram as manchetes esportivas nos últimos anos. Na NFL, na NHL, no futebol. 

As duas primeiras ligas adotaram protocolos de concussão nos últimos anos.

A NHL introduziu novas regras em 2011 que exigem que os jogadores deixem o banco e se dirijam a uma sala silenciosa para serem avaliados por um médico após receber um golpe na cabeça. A NFL deu um passo adiante em 2013, exigindo que um jogador com uma suposta concussão recebesse autorização do médico da equipe e de um neurologista independente antes de voltar a jogar.

A FIFA ainda não criou um protocolo efetivo que garanta mais segurança ao atleta. 

E vale repetir uma pergunta: até quando?

A "Lei de Rowson" foi um passo importantíssimo na prevenção de problemas sérios em jovens atletas. Com ela, muitos passaram a informar quando estavam machucados, e assim deixaram de atuar sob risco.

Um estudo de 2013 – realizado em conjunto pela Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, AT Still University em Mesa, Arizona, e WakeMed Health and Hospitals em Raleigh, Carolina do Norte – descobriu que até 40% das concussões sofridas por atletas no ensino médio nos EUA nunca foram relatadas para treinadores ou oficiais médicos. Não há razão para acreditar que esses números seriam muito diferentes no Canadá.

As regras do esporte mudam quando são provocadas. 

A provocação pode aparecer como forma de aprimorar o jogo, de torná-lo mais atrativo; as novas tecnologias também têm trazido novidades ao esporte;  mas ele também pode mudar em função de tragédias que poderiam ser evitadas. É fundamental entender isso no Direito Esportivo.

Rowan Stringer não conseguiu nem sequer começar o curso de enfermagem. Mas, por causa dela, não só o rúgbi que ela amava, como também todos os esportes no Canadá, passaram a ser mais seguros para os jovens atletas. Rowan está ajudando a salvar vidas.

 

 

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.