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Lei em Campo

Futebol é mundo em que a voz de todos é ouvida. Que bom, mas tenha freios

Andrei Kampff

14/05/2019 14h00

Tem uma frase que aprendi com meu avô: "Não faça com os outros o que não gostaria que fizessem contigo".
O exercício é simples: na dúvida se é certo ou errado, se pergunte: "Tudo bem se fosse comigo?".
O esporte é um ambiente historicamente afeito a provocações, a críticas, ao desabafo. O futebol talvez seja um dos maiores exemplos disso. E isso ajuda a entender a popularidade do espetáculo. Um espaço democrático, em que a voz de todos é ouvida. Cresci em estádios. Não acho que esse comportamento precise mudar radicalmente. Pelo contrário.
Agora, humilhação, maldade, desprezo, não podem ser confundidos com brincadeira. Será que as pessoas se dão conta do que estão fazendo? A votação que deu a Sidão o prêmio de melhor em um jogo em que o goleiro foi muito mal deixa claro que não. Foram mais de 90% dos votos.
Se você ainda acha que a história não é assim tão grave, não reclame quando seu chefe interromper um almoço seu com os colegas para criticar, ou xingar, por algo que você fez e não deu certo. Essa talvez seja mais uma reflexão importante. Imagine essa cena; talvez você agora concorde que o que aconteceu com Sidão não foi certo. Grite, se manifeste, critique, mas respeite seus freios.
Esse tipo de reflexão é o que propõe Nilo Patussi, advogado especializado em gestão esportiva e colunista do Lei em Campo.

Respeito profissional

 

O goleiro do Vasco da Gama Sidão escreveu, na sua rede social, nesta segunda-feira, sobre o caso do "prêmio" de Craque do Jogo a partir de votação popular pela internet promovida pela Rede Globo.

Disse o goleiro: "Uma trajetória com muita luta, sempre foi assim a minha vida. Do caos surgem as oportunidades. Que esse constrangimento generalizado toque cada um de nós (atletas, jornalistas, técnicos, dirigentes, agentes, torcedores…), enfim, todos aqueles que buscam e tentam fazer um futebol melhor, tendo como pilar principal o RESPEITO PROFISSIONAL".

Para quem não acompanhou, na última rodada do Brasileirão 2019 o Santos recebeu em São Paulo, no estádio do Pacaembu, o Vasco da Gama. A partida terminou 3 x 0 para o Santos, resultado conquistado após as falhas do goleiro Sidão, que errou em dois dos três lances que viraram gols do Santos. Após o apito final, o goleiro vascaíno foi abordado por uma repórter da TV Globo e recebeu a informação de que, com 90% das votações, os internautas o haviam escolhido como o "craque da partida" – e, ato contínuo, entregou-lhe um troféu. O atleta saiu cabisbaixo e em silêncio da entrevista na beira do campo.

O desrespeito, antes "permitido" no ambiente do estádio, está sendo vigiado e precisa acabar. Mas ainda nos deparamos muitas vezes com o que ocorreu com o jogador do Vasco e outros integrantes do espetáculo, que sofrem com danos morais, por injúria racial, preconceito, etc.

Será que o torcedor que promove esse tipo de atitude com os profissionais do futebol gostaria que a situação se invertesse? Talvez o gosto amargo o fizesse repensar que, para toda postura, existe o direito de resposta. Ser importunado inúmeras vezes no ambiente de trabalho é exaustivo. Certamente ninguém se colocou no lugar desse trabalhador.

 Todo profissional precisa ser respeitado, sendo ele faxineiro, diretor de multinacional, gari, advogado, árbitro de futebol, etc. Por trás de qualquer título, em sua medida, o direito é igual para todos.

 Quando se faz a analogia de gestão empresarial com a gestão do esporte, fica ainda mais visível a necessidade de uma evolução comportamental de todos os envolvidos com essa modalidade.

Como a torcida do Vasco da Gama esperará por motivação e bom desempenho quando um profissional é exposto da maneira como foi o goleiro Sidão? Como a empresa detentora dos direitos de transmissão não contornou a situação? Como o time se manterá concentrado e focado com tantas cobranças?

Um bom ambiente profissional é aquele em que a mais motivada e focada equipe produz e tem os melhores desempenhos. Portanto, RESPEITE O PROFISSIONAL!

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.