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Lei em Campo

Mesmo assumindo erro, Athletico-PR deve ter atletas punidos por doping

Andrei Kampff

15/05/2019 05h00

O doping é tratado de maneira severa no esporte. As punições são longas, e a defesa do atleta normalmente é difícil.

O Athletico assumiu a responsabilidade pelas substâncias encontradas no organismo dos atletas flagrados no exame antidoping em um jogo da Libertadores da América. Mas isso não deve mudar resultado do julgamento. Quem sabe, servir como atenuante.

A Agência Mundial Antidopagem, a WADA, é quem determina quais substâncias são ou não permitidas no esporte. A entidade independente foi criada em 1999 para coordenar os esforços contra dopagem e redigir o código de substâncias proibidas. 

A WADA é rigorosa. Segundo o Código Mundial de Dopagem, que existe desde 2004, a pena prevista é de dois anos ou mais. E a responsabilidade do atleta é sempre objetiva.

Já escrevi aqui sobre o caso de Paolo Guerrero e os desdobramentos jurídicos que o doping desencadeou.

O fato é que o esporte pune doping com rigor elevado, maior até do que a legislação brasileira lida com quem cometeu crime. A explicação pode estar no fato de o doping ir na contramão de princípios caros ao esporte, como o da paridade de armas. A trapaça fere também o espírito do "jogo limpo".

Mesmo assim, é importante refletir. Não seria o caso de o doping involuntário ter um peso maior na decisão, diminuindo a pena do atleta? É sabido, dois anos na vida de um profissional do esporte representam uma perda gigante na carreira dele.

Entender que o atleta é considerado o principal responsável por tudo que seu corpo contém é fundamental. Cabe a ele manter-se informado de tudo que vai consumir e ingerir todos os dias.

A situação dos atletas é complicada. A do Athletico, também. Embora a chance de uma punição na Justiça Esportiva seja pequena, o clube pode ser acionado na Justiça comum.

O Zeca Cardoso conversou com especialistas sobre o assunto e explica por que, mesmo com a manifestação do Athletico eximindo os jogadores da responsabilidade, a situação dos atletas flagrados no doping é difícil.

 


 

O Athletico-PR teve dois atletas flagrados no exame antidoping na Copa Libertadores da América. O zagueiro Thiago Heleno e o volante Camacho testaram positivo para a substância higenamina, presente em muitos suplementos para emagrecimento. O zagueiro já está cumprindo uma punição preventiva de 60 dias, já que foi notificado pela entidade. O volante, que ainda aguarda a notificação da Conmebol, foi afastado pelo clube preventivamente.

A diretoria do Athletico-PR assumiu a culpa no caso. O presidente do conselho deliberativo, Mário Celso Petraglia, afirmou que os atletas foram vítimas. Eles ingeriram um medicamento, sugerido pelo departamento médico do clube, que continha a substância proibida. Mesmo o Furacão isentando os jogadores, eles serão responsabilizados.

"Em relação aos atletas, a responsabilidade é sempre objetiva, ainda que o clube, por falta de diligência, por erro médico ou imprudência, tenha dado causa ao resultado positivo. A responsabilidade objetiva é sempre do atleta", explica a advogada especialista em Direito Esportivo Danielle Maiolini.

A suspensão de Thiago Heleno e Camacho, confirmadas as contraprovas, partirá de uma punição de dois anos. Os atletas ficariam suspensos por esse período. Mas o entendimento dos especialista é de que a pena pode ser menor.

"Pode ser que a pena seja atenuada. O atleta tem o dever de conhecimento, ele tem a obrigação dele, tem que ser mais cuidadoso, mas a ideia partiu do clube, do médico do clube. Então, existem elementos para que atenue, sim", atesta o advogado especialista em Direito Esportivo Thomaz Paiva.

A substância flagrada nos jogadores do clube paranaense não é uma novidade no mundo esportivo. Muito atletas do tênis já testaram positivo para ela. No futebol, um caso no Brasil pode servir como parâmetro para a defesa do Athletico. O volante Uillian Corrêa, hoje no Bragantino, foi pego no doping em função da higenamina. À época, o jogador defendia o Santa Cruz e foi absolvido, pois a concentração da substância era inferior aos padrões estabelecidos pela Agência Mundial Antidoping (WADA).

Nos casos de Thiago Heleno e Camacho, o clube já confirmou que os atletas realmente utilizaram um suplemento que continha higenamina. Se mais algum atleta do Athletico for flagrado no exame antidoping, o clube pode sofrer punições da Conmebol.

"Se mais de dois atletas forem pegos em doping, o clube pode sofrer sanções e responder por isso", confirma Paiva.

As penas ao Athletico, se mais jogadores testarem positivo para o uso da mesma substância, podem variar de multa até a exclusão da competição. Em 2017 três jogadores do River Plate (ARG) foram flagrados no exame antidoping realizado pela Conmebol na Copa Libertadores. O clube argentino não sofreu nenhuma punição; dois dos três atletas foram suspensos por sete meses. Segundo a entidade máxima do futebol sul-americano, o River não poderia sofrer nenhuma sanção, já que não era responsável pelos casos.

Com a chance de uma punição esportiva muito pequena, o Athletico pode sofrer em outra esfera. Como responsável por sugerir o consumo do suplemento, que possivelmente causará um prejuízo aos atletas, estes poderiam recorrer à Justiça comum.

"Os atletas podem vir a requerer algum tipo de responsabilização cível pelos danos que possam sofrer. Então, em uma busca de reparação, comprovado que o clube cometeu um ato ilícito, de forma dolosa ou culposa, nesse caso, caberia uma ação na justiça comum", esclarece Maiolini.

Mas o advogado João Paulo Martinelli tem outra visão sobre a responsabilização do Athletico fora das cortes esportivas. "Eu entendo que cabem danos morais e materiais se o jogador foi coagido ou enganado. Se havia consciência e vontade do jogador, ele foi conivente e não pode pedir reparação", finalizou Martinelli, criminalista e doutor em direito penal pela USP.

Por Zeca Cardoso

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.