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Justiça Desportiva: por que saem decisões diferentes em casos parecidos?

Andrei Kampff

23/05/2019 17h30

A Justiça Desportiva tem como princípio a celeridade. Ela precisa ser rápida.

Ela não pode ter o tempo do Judiciário. As competições teriam que parar ou correriam o risco de terem resultados invalidados pela decisão do tribunal esportivo.

Também dentro dessa necessidade de urgência, ela tem como princípio a oralidade.

Outro principio importante é o da publicidade. Mas em função da estrutura ainda precária, exceção ao futebol, ele não é plenamente atendido.

A combinação desses princípios e fatores ajuda a entender um problema que se nota na Justiça Desportiva: decisões diferentes em casos parecidos. E isso é comum.

Entenda melhor com Vinícius Loureiro, advogado especializado em Direito Esportivo e colunista do Lei em Campo.

 


 

Por que as decisões são tão diferentes?

 

A Justiça Desportiva não analisa uma grande variedade de casos, tendo um rol de infrações bastante restrito. Então por que existem tantas punições distintas para casos semelhantes? Essa é uma pergunta bastante comum, e que reflete um pouco do estágio de desenvolvimento da nossa Justiça Desportiva.

O modelo atual da Justiça Desportiva é completamente diferente do modelo adotado pelo Judiciário brasileiro em geral. Tendo a celeridade como um de seus princípios, os processos são julgados em prazo muito inferior aos prazos da Justiça comum. O que é ótimo, mas não em todos os sentidos.

Para que se possa atingir a celeridade esperada, outro princípio da Justiça Desportiva é o da oralidade. Com isso, na maioria dos atos ocorridos na esfera jusdesportiva, temos a prevalência do falado sobre o escrito, muitas vezes nem sequer sendo apresentadas defesas escritas. Também é frequente que provas testemunhais e depoimentos pessoais não sejam tomados a termo. Essas questões influenciam o processo de unificação de decisões, uma vez que se torna difícil a comparação fática entre os casos. Mais que isso, as decisões também são tomadas e proferidas oralmente, e só são tomadas a termo mediante solicitação de alguma das partes, o que não é usual.

Sem os processos integralmente escritos, poucas pessoas têm acesso às informações, e estas vão se perdendo ao longo do tempo, junto com a memória dos julgamentos. Mesmo quando há decisões escritas, em geral não são suficientemente claras para que se forme um histórico de decisões robusto o suficiente para balizar decisões futuras.

Além disso, há outro problema. Em razão da usual falta de recursos para os tribunais desportivos, excluindo os tribunais do futebol, é bastante comum que o princípio da publicidade não seja plenamente atendido. Tente acessar os autos de um processo de alguma modalidade olímpica e você terá uma grande surpresa. Isso se dá, em muitas das vezes, pela limitação de estrutura dos tribunais, restritos em questões humanas e tecnológicas.

Por mais que se tente fortalecer a Justiça Desportiva, o que se observa por parte das entidades de administração do desporto no Brasil é uma crescente desvalorização dos tribunais. Parte dessa culpa recai também sobre nós, que atuamos nos tribunais e não lutamos pelo reconhecimento e valorização não apenas de nosso trabalho, mas também de todo um arcabouço teórico que vem se desenvolvendo de maneira crescente e é cada vez mais robusto.

Mas esse movimento depende não apenas de quem trabalha com o direito desportivo, mas também de todos aqueles que se interessam pelo esporte. Não se pode negar que as decisões dos tribunais desportivos impactam diretamente o andamento das competições. Isso faz com que o torcedor seja diretamente impactado a cada decisão dos tribunais e, por isso, deva também lutar pela melhoria das condições da Justiça Desportiva, até para que possa acompanhar mais de perto cada julgamento e entender (ou mesmo criticar) tudo aquilo que envolve seu time.

A partir do momento em que as decisões forem públicas e os processos estruturados, todos aqueles que trabalham com Direito Desportivo terão melhores condições para avaliar cada caso, fazendo com que as penas de casos semelhantes convirjam para um ponto em comum. Mais estabilidade para as decisões, mais previsibilidade para as penas, mais transparência para o torcedor e para os clubes.

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.