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Lei em Campo

Do discurso à pratica... lá se vão outras histórias na FIFA e no Vasco

Andrei Kampff

04/06/2019 16h00

Da palavra à prática… lá se vão quantas histórias.

No futebol, então…

Vasco e FIFA estão no centro de repetidas discussões que mostram que a prática ainda não conversa com o discurso.

Escrevi aqui sobre os quatro anos da ação comandada pelo FBI que provocou um tsunami na entidade máxima do futebol. Catorze dirigentes presos, entre eles o ex-presidente da CBF José Maria Marin. Todos acusados de corrupção!

A ação do departamento de polícia americano, com autorização da Justiça, desencadeou a maior mudança que a FIFA já viveu.

Cinco meses depois, o Comitê de Ética da FIFA (que tem independência estatutária da entidade) afastou, entre outros, o então presidente Joseph Blatter. Dois meses depois, Blatter e Michel Platini, ex-presidente da UEFA, foram considerados culpados por gestão desleal conflitos de interesse e afastados do esporte por oito anos.

Gianni Infantino assumiu a FIFA prometendo transparência e um novo modelo de gestão.

Mesmo assim, em julho de 2018, o Conselho da FIFA ratificou o novo Código de Ética. Nele a palavra "corrupção" simplesmente sumiu. Logo ela, que havia sido decisiva no combate ao maior escândalo da história do esporte. Um gol contra o próprio discurso.

A CBF também sentiu os efeitos de algumas mudanças que a FIFA passou a tomar, até como resposta ao apelo por mais moralidade.

Em função dos sérios problemas administrativos da CBF, a Federação Internacional suspendeu o repasse do Fundo de Legado da Copa 2014. Ele só foi retomado no fim do ano passado, após um longo período de negociações e com a entidade brasileira se comprometendo a apresentar garantias de monitoramento e auditorias.

E o Vasco? Há anos o clube sofre com denúncias de corrupção interna, gestão temerária, fraudes em eleição. As eleições deram novo rumo político ao clube. A desesperança perdeu força.

Aí, o novo presidente assume e se abraça a antigos caciques para comemorar que escapou de uma sindicância interna! Foge da análise, dribla a transparência.

Até parece paradoxo, mas no esporte a evolução nos mecanismos de gestão anda mais lentamente que em outras atividades empresariais.

Mas seria preciso esperar por uma lei mais rigorosa para mudar a forma de gerir nosso esporte? A resposta é: não (muito embora uma legislação esportiva mais severa no combate à corrupção seja muito bem-vinda).

Investir em integridade é mais do que uma necessidade legal, é um compromisso público do gestor com duas palavras indispensáveis na gestão de um negócio: transparência e ética.

E isso não pode ficar apenas no discurso do presidente da FIFA, Gianni Infantino. Nem no do presidente do Vasco,  Alexandre Capello. Isso precisa ser um compromisso que ele assume não só com o presente, mas também, e principalmente, com o futuro da entidade. E a vigilância será como tem que ser: permanente. E discursos só serão aplaudidos com ações.

Entenda a relação entre Vasco e FIFA com Nilo Patussi, advogado especializado em gestão esportiva e colunista do Lei em Campo.

 


 

Nem na FIFA nem no Vasco – gestões prometem mudanças, mas estão longe de mudar

Se o aprendizado se dá pelo exemplo, como a FIFA cobrará das entidades de prática desportiva uma postura correta e íntegra?

Os escândalos que levaram a entidade máxima do esporte para as páginas policiais do mundo todo não foram suficientes para que a FIFA mudasse, de uma vez por todas, as condutas de transparência e ética.

Na mesma noite em que a atual presidência do Vasco consegue escapar de uma sindicância, o ex-dirigente da FIFA afirma que a entidade mais importante do futebol continua com um cartel político e vai na contramão da transparência prometida na posse da atual gestão.

O Vasco da Gama, em votação apertada do Conselho, liberou o presidente do clube de sindicância que investigaria uma diferença contábil de 4 milhões de reais de prejuízo e que, por consequência, culminaria com o impeachment do presidente, Alexandre Capello. Essa foi a terceira vez em que o gestor à frente do clube escapou de investigações – as demais foram por suposta evasão de divisas, por empregar sócios no departamento médico e por gestão temerária.

Com o veto, quem perde é a Vasco.

As investigações trariam à tona a verdadeira administração. Se irregular, os culpados seriam punidos; se correta, a presidência sairia fortalecida por ser transparente na prestação de contas, preservando a imagem ilibada como aliada.

O problema é que, quando o exemplo não vem de quem deveria dá-lo, tudo fica mais complicado.

Amanhã, dia 5 de junho, tem eleições na FIFA. Mas essas eleições não terão mudanças na cúpula da entidade, pois Gianni Infantino, atual presidente, será reeleito. Ele é candidato único para continuar à frente da FIFA.

Ele assumiu a instituição logo após todas as investigações e prisões que mancharam a principal administradora do futebol, e no discurso de posse se comprometeu a limpar a casa. Sem cumprir o prometido, chega como candidato à reeleição cometendo os mesmos erros que o seu antecessor.

As comissões criadas para fiscalizar e investigar irregularidades e aumentar os controles da FIFA duraram apenas alguns meses. A alta administração não pode atuar com independência e foi pressionada a decidir mesmo que em desacordo com as regras da própria entidade.

A centralização das decisões da atual gestão tem mostrado ao mundo que a transparência e a democracia não são prioridades. As críticas também não são bem-vindas, tendo em vista que as denúncias de corrupção são tratadas como crime de difamação, seja contra a FIFA, seja contra outro dirigente.

Tanto o Vasco como a FIFA precisam perceber que os maus exemplos são vistos e seguidos não apenas por quem administra, mas por todos aqueles que vivem o futebol. Em uma época em que compliance, Lava Jato e FIFAGate estão nas manchetes dos jornais do mundo todo, o esporte não pode retroceder nos pontos básicos de uma gestão profissional, que são governança e transparência.

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.