O futebol ainda é, apesar de tudo e de poucos, um universo encantador
O futebol tem o poder de transformar, pessoas e realidade. Ele faz com que um se sinta parte de um todo.
Um sentimento raro de união, que vem do fundo da alma. É um drible na solidão. Ou como canta (ou reza?) a torcida do melhor time da Europa: "você nunca vai estar sozinho". Liverpool, o time que já foi de operários ingleses e hoje é de um monte de gente espalhada por todo o mundo.
O futebol ainda é, apesar de tudo e de poucos, um universo encantador. Os campeões da Champions só reforçam isso, cantando ou rezando, como escreve Danielle Maiolini, advogada especializada em direito esportivo e colunista do Lei em Campo.
"Você nunca vai caminhar sozinho". Por que o hino do Liverpool explica o futebol
Houve quem dissesse que, no final do século XIX, o futebol encarnou uma espécie de religião laica com sua igreja (o clube), seu lugar de culto (o estádio) e seus fiéis (torcedores). "Você nunca vai caminhar sozinho." É o que diz a letra do hino (que mais poderia se chamar de oração) entoado pelos 50 mil corações que enchem Anfield a cada jogo.
Como tantos outros nascidos do berço industrial inglês, o Liverpool traz na herança o futebol que uniu trabalhadores e torcedores pelo sentimento de pertencerem ao mesmo bairro, à mesma fábrica, ao mesmo orgulho. Décadas depois, entre as primeiras tardes de sábado celebradas nos estádios e a explosão do mercado milionário, o espaço pode ser menor do que parece. No universo do individualismo e dos holofotes, quem ainda duvida que o futebol possa ser sinônimo de generosidade e de partilha seguramente não ouviu o vibrar uníssono formado por cada uma dessas vozes.
Em 2019, o mítico canto de Anfield varre a Europa na vitória de um dos maiores e mais rentáveis campeonatos já vistos. Entre milhões de euros e pessoas, a prova de que a história do futebol ainda é escrita por quem caminha junto é o som da alma coletiva que emociona mundo afora. Uma história escrita entre o formal e o informal, entre o investimento e o espontâneo. Uma soma de apropriações e de reconquistas. De recuperações e de reinvenções. De comunicação, de comunhão e de existência.
Na relação entre o indivíduo e todos, o interessante poder de atração de regras tão simples que a qualquer um é concedida a liberdade de jogar de uma forma única e sua – e que, ainda assim, dá valor ao coletivo.
Como disse Goldblatt, a emoção comprova que o futebol ainda é um lugar estranho e precioso, parte da nossa cultura comum. Uma fabulosa herança de mais de cem anos de jogo que, num mundo profundamente individualista, insiste em nos misturar. Que trata do nós, e não do eu.
Em variações tão infinitas quanto a multiplicidade de quem joga, o futebol comprova ser, dentro e fora do campo, essa extraordinária ferramenta de resgate da força e da potência que podemos dar aos nossos corpos e às nossas vidas.
Como reza a oração: "Ainda que seus sonhos sejam maltratados, e que o vento os leve, continue caminhando, continue caminhando, com esperança no coração, e você nunca vai caminhar sozinho, você nunca vai caminhar sozinho".
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