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Lei em Campo

Manipulação de resultados nos esportes eletrônicos: conheça primeiro caso

Andrei Kampff

08/06/2019 14h15

Manipulação de resultados é crime. Ela ocorre normalmente por interesses financeiros, mas sempre fere também a natureza do esporte.

A incerteza do resultado é a garantia da saúde do esporte. Se todos soubessem de véspera qual seria o placar de um jogo, o esporte perderia força, e a paixão encolheria.

Por isso vários dos princípios do direito esportivo visam garantir essa imprevisibilidade, como a paridade de armas, que é dar condições iguais aos competidores.

Daí por que é fundamental, entre outras coisas, combater a manipulação de resultado.

É preciso entender as razões da prática criminosa e como o esporte está se protegendo. Um problema que também se apresenta nos esportes eletrônicos.

E, no Brasil, nossa legislação ainda é vulnerável. Avançamos, mas de maneira lenta. É importante refletir, discutir e avançar para combater esse crime.

Nicholas Bocchi, advogado especializado em direito esportivo e colunista do Lei em Campo, traz o primeiro caso de matchfixing no eSport.


 

Contexto: Coreia do Sul, KeSPA e eSports

Em 2010, quando os esportes eletrônicos começavam a engatinhar no ocidente, a Coreia do Sul, conhecida como berço dos eSports, já contava com um mercado consolidado e maduro havia muito tempo.

O investimento em infraestrutura e tecnologia da informação no pós-guerra foi determinante para que, logo no começo dos anos 2000, os coreanos já conseguissem jogar, transmitir e assistir partidas de esporte eletrônico.

A Coreia do Sul já contava com três canais de televisão com programação exclusiva de eSports.

Inclusive, a importância do meio de comunicação para qualquer esporte já foi abordada aqui no eSports legal.

Observando o potencial do eSport, os players do mercado criaram, com a aprovação do Ministério da Cultura, Esporte e Turismo, a Associação Coreana de Esportes Eletrônicos (KeSPA), que tem a função de regular a atividade e agir como uma federação nacional.

Em um país onde o caso mais sério de matchfixing ocorreu em uma liga escolar de futebol, o escândalo de manipulação de resultado nas competições de Starcraft da KeSPA chocou a todos.

 

O escândalo

As investigações começaram após uma denúncia anônima no final de 2009, e, graças ao vazamento da denúncia, o caso tomou grandes proporções rapidamente. Em abril de 2010 os rumores aumentaram após uma publicação em um fórum afirmar que já havia 16 suspeitos de envolvimento no esquema.

No mês seguinte, jornais da Coreia e do mundo inteiro, como a BBC, confirmaram as informações.

 

O esquema

Foi revelado que os jogadores profissionais foram abordados por apostadores, intermediados por um membro da máfia coreana. O líder da investigação revelou que o fato de os jogadores serem muito novos e com pouca educação facilitou a abordagem.

Entretanto, esse mesmo fato facilitou as investigações, pois os atletas tinham pouca experiência em disfarçar e lavar o dinheiro recebido no esquema, utilizando suas próprias contas bancárias ou de familiares. Rastrear o dinheiro foi vital para conseguir encontrar os apostadores e o aliciador, pois as apostas eram feitas em sites ilegais da China e do Japão.

A principal dificuldade da investigação se deu por conta de a modalidade Starcraft ser individual, então, não havia comunicação entre membros de uma mesma equipe a ser monitorada.

 

As consequências

Foram 11 jogadores envolvidos no esquema de manipulação de resultados. A KeSPA os baniu permanentemente de qualquer modalidade de esporte eletrônico.

Além disso, receberam penas do Estado coreano que varia entre multas, serviço comunitário, programa de tratamento de vício em apostas e até prisão. Seguem as penas confirmadas de 10 dos 11 jogadores:

go.go: 11 milhões de wones;

Hwasin: 11 milhões de wones;

Luxury: 12.5 milhões de wones;

type-b: 11.5 milhões de wones;

Upmagic: 6.5 milhões de wones;

Justin: 3 milhões de wones, 120 horas de serviço comunitário, 40 horas em programa de tratamento de vício em apostas, 3 anos de prisão em regime semiaberto;

YellOw(ArnC): 2 milhões de wones;

sAviOr: 120 horas de serviço comunitário, 2 anos de prisão em regime semiaberto;

By.1st: 40 horas em programa de tratamento de vício em apostas, 1 ano de prisão em regime semiaberto;

ShinHwA: 40 horas em programa de tratamento de vício em apostas, 1 ano de prisão em regime semiaberto.

 

Curiosidade

O líder de investigação conhecia o jogo muito bem, pois jogava no seu tempo livre, por isso foi capaz de identificar jogos que tiveram resultado manipulado, ao reconhecer que jogadores estavam adotando estratégias que não faziam sentido.

Em uma entrevista, disse que identificou a primeira partida manipulado, pois "um dos jogadores continuou produzindo Mutalisks, mesmo depois de perceber que seu oponente estava criando um exército de Corsairs".

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.