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Lei em Campo

Por que apostas demandam cuidado para evitar novo "Caso Edílson"

Andrei Kampff

10/06/2019 16h00

A incerteza do resultado é um dos alicerces do esporte. É fácil entender. O encantamento do jogo está em não saber de véspera quem sairá vencedor. Se soubéssemos, o jogo perderia graça, a paixão do torcedor perderia força.

Por isso, vários dos princípios do direito esportivo visam garantir essa imprevisibilidade, como a paridade de armas, que é dar condições iguais aos competidores.

A manipulação de resultado vai contra tudo isso. Ela determina por conluio, por fraude e compra, o que irá acontecer. Normalmente essa fraude ocorre por interesse financeiro, mas ela fere também a incerteza do resultado.

Nas apostas esportivas, há sempre quem jogue contra o esporte. Essas apostas esportivas movimentam no mundo trilhões de dólares. Com a lei sancionada por Michel Temer no final de 2018, esse mercado será ainda maior.

Ao mesmo tempo em que deve trazer receitas, gerar empregos, estimular patrocínios, o dinheiro envolvido atrai uma legião de criminosos. Por isso é indispensável, agora, regulamentar essas apostas, haver monitoramento específico e cumprir a legislação.

Se isso não for bem feito, são grandes as chances de um novo "Caso Edílson" no futebol, como conta Thiago Braga, que conversou com especialistas sobre o assunto.

 


 

Existem 8.000 sites de apostas esportivas no mundo, e eles movimentam US$ 3 trilhões por ano. A nova legislação brasileira sancionada pelo governo Michel Temer no fim de 2018 deve impulsionar o mercado global para valores mais elevados. Mas uma das maiores preocupações para quem trabalha no esporte é o aumento da possibilidade de haver manipulação de resultados no Brasil.

"No Brasil, organizações criminosas, como o PCC e milícias, vêm se aproveitando da falta de regulamentação do jogo no país para se apropriar da atividade, exercida tradicionalmente por contraventores. O melhor antídoto contra a manipulação de resultados é a regulamentação inteligente e eficiente que permita o desenvolvimento pleno do mercado legal de apostas esportivas. Quem é contra o jogo legal favorece o jogo ilegal! Quem regulamenta controla, e quem controla melhora", explica o advogado especialista em direito esportivo Pedro Trengrouse.

Recentemente, um escândalo de manipulação de resultados abalou o futebol espanhol, com jogadores e ex-jogadores presos, acusados de agir intencionalmente para forjar as partidas da Liga. Para Trengrouse, quanto mais o Brasil demorar para colocar as apostas em prática no país, mais o esporte estará sujeito a sofrer com as apostas ilegais.

"O Brasil não pode mais esperar. Há um movimento significativo de apostas no país acontecendo sem nenhuma regulamentação. Há 14 anos, investigação da Polícia Federal levou à anulação de 11 partidas do Campeonato Brasileiro por manipulação de resultados. Em 2017, milhares de apostadores ficaram sem receber prêmios porque bancas não honraram apostas nos resultados da 13ª rodada da Série A, na qual times visitantes ganharam a maioria das partidas, elevando significativamente a premiação", analisou Trengrouse.

Hoje cerca de 500 sites de aposta online oferecem jogos brasileiros. Em sua maioria registrados no exterior, operam no Brasil sem nenhuma tributação, regulamentação, controle nem monitoramento, arrecadando mais de R$ 4 bilhões por ano no país.

"Realmente, a indústria do jogo apresenta vulnerabilidades para atuação do crime organizado e lavagem de dinheiro, e é justamente por isso que um bom ambiente regulatório é fundamental para que se possa desenvolver essa atividade com segurança. Estudo da Universidade de Nevada, em Las Vegas, sobre a relação entre jogo e crime organizado aponta que a única forma efetiva de combater o jogo ilegal, a ação do crime organizado na indústria do jogo regulado e prevenir a utilização do jogo para lavagem de dinheiro é com boa regulamentação, monitoramento eficiente e controle efetivo", pontuou o especialista.

O Ministério da Fazenda tem dois anos para regulamentar a lei, com prazo de mais dois, caso não consiga fazer nesse tempo. Ele é o responsável pela autorização e concessão dessas loterias de quota fixa. E é importante dizer o que é quota fixa: são apostas em eventos reais esportivos, que já se pratica no Brasil, mas com sites estrangeiros.

Em 2016, depois de uma investigação, a ATP desconfiava que 16 dos 50 jogadores mais bem colocados no ranking da ATP podiam ter manipulado resultados em troca de grandes quantias em dinheiro de apostadores. Entre os jogadores envolvidos há, inclusive, vencedores de Grand Slam.

"Os operadores sofrem muito com riscos à integridade do esporte e são os primeiros a implementar mecanismos de controle e proteção. Quando há manipulação, a banca de apostas tem enorme prejuízo, pois paga prêmios bem mais altos. Além disso, quanto maior a quantidade de apostas, menor o risco de falcatruas pois quanto mais gente aposta, mais interesse a partida desperta e menor é a possibilidade de manipulação. Inclusive, os próprios operadores monitoram e alertam para a manipulação de resultados", adverte Trengrouse.

Segundo a Associação Internacional de Integridade nas Apostas, em 2019 houve 37 casos. O tênis lidera as denúncias, com 17 casos suspeitos.

"Impedir no regulamento que jogadores, treinadores e árbitros sejam apostadores, além de monitorar, por programas eletrônicos, todos os jogos, são tarefas necessárias. A Federação Paulista já monitora [as partidas], para evitar a manipulação de resultados. A FPF tem um programa que dispara um alerta toda vez que o resultado de uma partida foge ao padrão. E as partidas que envolvem mais riscos, como decisão por título, rebaixamento, ficam no radar. E quando acontece algum resultado fora da curva, o sistema gera alerta imediatamente", explica Cristiano Caús, advogado especializado em direito esportivo.

Mas para Caús há outro ponto relevante quando falamos sobre os sites de apostas esportivas. "O dinheiro das empresas de apostas não é algo de que os clubes possam abrir mão. Ele é válido e ajuda no crescimento da modalidade", diz.

No Brasil, sem nenhuma regulação e com restrições à publicidade de sites de apostas, o movimento anual supera R$ 4 bilhões em cerca de 500 sites que oferecem apostas em competições nacionais.

"É benéfico para quem recebe o investimento. O dinheiro das casas de apostas é dinheiro como qualquer outro. Não liberar as apostas por medo de manipulação de resultados seria dizer que não somos competentes para coibir a fraude", finaliza Caús.

Por Thiago Braga

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.