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Lei em Campo

Mais um técnico condenado por abuso de menor. Por que esse crime se repete?

Andrei Kampff

13/06/2019 05h10

Não há como fugir de uma constatação dolorosa: a violência e o abuso sexual contra crianças e adolescentes no futebol é uma realidade ainda presente e pouco enfrentada. Nosso clubes e entidades esportivas ainda não entenderam a gravidade dos fatos e pouco fazem para evitá-lo.

Em 2017 a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados promoveu audiência pública para debater esse problema no futebol brasileiro. Na ocasião, deputados afirmaram que a CBF deixou de cumprir pacto firmado em 2014 com a CPI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A CBF se comprometeu a cumprir 10 medidas para evitar abusos a atletas das categorias de base e escolinhas. Ela cumpriu parcialmente apenas dois dos compromissos assumidos.

Não existem dados oficiais sobre esse tipo de crime, mas nos últimos dez anos foram centenas de denúncias, mesmo com o assunto ainda sendo um tabu nos principais clubes brasileiros.

Existem projetos importantes sobre direitos infantojuvenis no esporte para serem analisados no Congresso. Eles tratam de questões fundamentais, como por exemplo, registro obrigatório de clubes e escolinhas em conselhos tutelares, exigir dos formadores que tenham a certidão negativa de antecedentes criminais dos profissionais que trabalham diretamente com as crianças e adolescentes.

Muitos clubes sequer tem ouvidoria exclusiva para atletas, o que ajudaria bastante a enfrentar a essa realidade brutal.

É inacreditável que entidades que trabalham com crianças e adolescentes não tenham um programa específico de atendimento e aconselhamento para elas, que ajude na conscientização, denúncia e combate a esses crimes.

E esse não é um problema exclusivo do Brasil. A Inglaterra mostrou mais um caso.

É o assunto de Luiz Costa, advogado em Londres e colunista do Lei em Campo. 

 


E aconteceu de novo!

 

Quem dera fosse a última vez que falamos sobre esse assunto: um treinador da base condenado por abuso sexual de menores enquanto utilizando da posição de poder que tinha no clube. Sabemos que infelizmente não será a última vez.

Então vamos lá. Quem é a bola da vez? Bob Higgins, ex-treinador da base do Southampton FC e Peterborough United. Condenado a 24 anos e 3 meses de prisão por abusar sexualmente de menores das categorias de base desses clubes. Foram 45 alegações de abusos ocorridos entre 1971 e 1996.

Segundo a BBC, o juiz da causa utilizou termos como "predador sexual" em série que "metodicamente aliciou" adolescentes para descrever Higgins. Algumas de suas vítimas testemunharam para a Winchester Crown Court como tiveram, ao longo dos anos, pensamentos suicidas e muitos problemas de relacionamentos desde que esse predador entrou em suas vidas. Outros explicaram como o idolatravam como um mentor (ou até mesmo como um pai) devido à sua fama de "descobridor de talentos", apenas para terem sua inocência tirada deles de forma tão cruel.

Acreditamos que seja dever de todos, inclusive dos operadores do direito, a preservação e proteção dos direitos de menores, mesmo que informalmente. Quanto mais os clubes. Esses têm o dever direto e incondicional de se certificar que a integridade física e psicológica de seus atletas (sobretudo menores) seja preservada a todo tempo.

Há alguns meses, Barry Bennell, treinador das categorias de base do Manchester City, também foi condenado a 31 anos de prisão por abuso de (no mínimo) 12 menores. Bennell foi treinador do City entre 1979 e 1990.

A BBC lançou um documentário sobre Higgins intitulado "A Saint and a Sinner". O Southampton ofereceu desculpas às vítimas publicamente na semana passada.

Nesse ritmo, será questão de semanas até termos a próxima notícia sobre esse assunto.

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.