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Lei em Campo

Veto de Dória a cerveja em arenas não deveria ocorrer, dizem especialistasi

Andrei Kampff

15/06/2019 14h30

No estreia do Brasil na Copa América, foi permitida a venda de cerveja no Morumbi… sem álcool.

Afinal, é permitida a venda de bebida alcoólica nos estádios? Depende.

A resposta retrata bem o tamanho dessa discussão. Aqueles que defendem a venda usam como principal argumento a liberdade individual do cidadão. Quem é contra alega que a liberação pode aumentar os casos de violência. Mas o importante agora é entender o que diz a lei hoje.

Na Copa das Confederações e Copa do Mundo, a bebida alcoólica foi liberada. Sim, em caráter excepcional, em função da Lei Geral da Copa, que permitia a venda durante o Mundial em todos os estádios.

De acordo com a Constituição Federal, a competência para legislar sobre o consumo de bebidas pertence à União, aos estados e ao Distrito Federal. 

Na Bahia e em Minas, por exemplo, a bebida é permitida. Em outros estados, não. Em São Paulo, existem duas barreiras: a lei estadual 9.470, de 1996, e a lei municipal 12.402, de 1997.

Agora, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou PL que autoriza a venda nos estádios. Tudo bem? Não, o governo do estado promete vetar, alegando inconstitucionalidade.

Aí que vem o problema. O Estatuto do torcedor – lei federal que trata do tema – diz, no art. 13, A , que "São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei: II – não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a pratica de atos violentos".

O Estatuto esclarece a questão? Não.

Quem é contra diz que esse artigo veda, já que bebida alcoólica catalisaria eventos violentos. Quem é favor diz que ele claramente não proíbe a venda, e que, pela CF, estados podem legislar sobre o assunto.

Mais uma vez, a lei não é clara no Brasil.

O Thiago Braga conversou com especialilistas para saber o que eles acham dessa discussão jurídica sobre bebidas alcoólicas nos estádios que acontece em São Paulo.


 

Na última quinta-feira (13), os deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo aprovaram o projeto de lei (PL) que autoriza a venda e o consumo de bebidas alcoólicas dentro de estádios de futebol e arenas esportivas localizadas no estado de São Paulo. O texto agora segue para a sanção do governador do estado, João Dória (PSDB).

No entanto, Dória resolveu ir para a dividida com os deputados da Assembleia. "O projeto é inconstitucional. Sendo inconstitucional, o governador não pode sancionar. Irei vetar", afirmou Dória na sexta-feira (14).

Para especialistas, porém, a decisão do governador vai gerar um gol contra. "Na minha opinião, o projeto de lei votado pela ALESP é constitucional. Não vejo inconstitucionalidade na lei. Ela pode ser inconveniente, mas não inconstitucional", afirma o advogado Daniel Falcão, especialista em direito constitucional, em entrevista para o Lei em Campo. "Parece que ele [Dória] vai alegar inconstitucionalidade com base no Estatuto do Torcedor, mas o Estatuto do Torcedor não veda a bebida alcoólica nos estádios. Legislar sobre esporte é competência concorrente da União e dos Estados. Como a União não trata do assunto bebida alcoólica em recintos esportivos, cabe aos Estados legislar.", continuou Falcão.

Agora, a questão é política. Clubes e a Federação Paulista de Futebol podem pressionar tanto Dória a não vetar a lei, como depois do veto pressionar os deputados a derrubarem o veto do governador. Se isso acontecer, o Estado de São Paulo pode ajuizar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF), para tentar manter a lei inconstitucional.

A Federação Paulista de Futebol acompanha o assunto e como um bom meia armador, articula para que a lei seja aprovada.

"Da parte jurídica, preparamos um documento que vamos enviar para a Casa Civil do Estado de São Paulo com o parecer de que não há inconstitucionalidade. Ele pode usar vários elementos para vetar. Mas vetar com esse argumento, ele não deveria vetar", explica Luis Felipe Santoro, advogado especialista em direito esportivo e membro da Comissão Jurídica da Federação Paulista de Futebol. "Eles estão alegando que a matéria é de competência da União. Mas o Estatuto do Torcedor não veda a venda de bebida alcoólica. Algumas cidades do Estado, como Santos e Ribeirão Preto, liberaram a venda de bebidas nos estádios e o Ministério Público entrou com ação dizendo que a regulamentação é competência do Estado, que quem vai definir é o Estado", prosseguiu Santoro.

A venda de bebidas alcoólicas em São Paulo foi proibida em 1996, após a aprovação da lei estadual 9.470/96, que proíbe o consumo num um raio de 200 metros até a entrada dos estádios.

O projeto de lei aprovado pelos deputados estaduais é de autoria do deputado Itamar Borges (MDB). O texto autoriza a venda e o consumo de bebidas alcoólicas em bares, lanchonetes e congêneres destinados aos torcedores, bem como nos camarotes e espaços VIPs dos estádios e arenas. Mas é comum ter cerveja em camarotes nos estádios da capital.

"Não é correto ter distribuição no camarote e o povo não ter direito. Caso haja a distribuição ou venda no camarote, seria uma segregação. Caso forneça, é irregular, o clube deve receber uma multa", diz Santoro.

Pelo PL, a venda das bebidas alcoólicas deve ser iniciada uma hora e meia antes do início da partida e encerrada uma hora minutos após o apito final. Além disso, as bebidas devem ser comercializadas em copos plásticos descartáveis, com capacidade que não pode ultrapassar os 500 ml. E continua sendo proibida a venda e a entrega de bebida alcoólica a menores de 18 anos.

Quem defende a liberação da venda de bebidas alcoólicas nos estádios usa como argumento a liberdade individual. "A bebida sempre foi permitida nos estádios e foi proibida de forma equivocada. É um direito do torcedor, que quer se entreter dentro do estádio com liberdade. E é muito importante a devolução deste direito ao cidadão. É melhor saber dar o direito de escolher ao cidadão do que simplesmente tolher a liberdade do cidadão", analisou André Sica, advogado especialista em direito esportivo e também membro da Comissão Jurídica da FPF.

Com a decisão de vetar o projeto de lei, Dória pode atrapalhar os clubes paulistas na busca pelo aumento de dinheiro investido nas agremiações. "Os clubes vão se beneficiar muito com isso. Ao lado de bancos e montadoras, os fabricantes de bebidas alcoólicas são uns dos principais patrocinadores do esporte. Um setor muito forte de volta ao futebol", explica Sica.

Um dos argumentos de quem é contra a venda de bebidas alcoólicas nos estádios é a violência. Não é incomum a associação entre tomar cerveja e a baderna. Mas Sica rebate.

"As pessoas que fizeram associação com a violência nos estádios sem maiores análises. Depois foi feita uma análise inclusive pela Polícia Militar e pelo Ministério Público e provou-se o contrário. As pessoas não deixavam de beber. Bebiam fora dos estádios e entravam muito pior no estádio. Tirava receita dos clubes e público dos estádios. E as confusões continuavam, porque fora dos estádios a bebida era consumida irrestritamente e criava uma série de confusões", disparou o advogado.

Para os especialistas, é importante agora que com a liberação da venda de bebidas alcoólicas nos estádios, se ela vier a ser aprovada, que clubes e o poder público punam quem cometer atos de indisciplina nas arenas.

"Cabe aos clubes venderem com moderação e saberem aplicar sanções nas pessoas que forem baderneiras. Os baderneiros têm que ser punidos, e essa punição tem de ser individualizada. Aquele que transgredir a regra vai ser preso e vai pagar pelo seu crime. E não uma sociedade inteira. A gente sabe que o banimento tem que ser sempre o último recurso. É muito melhor permitir de forma regulada do que proibir", finalizou Sica.

Por Thiago Braga

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.