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Lei em Campo

Esta derrota pode ser não o fim, mas um novo começo para o futebol feminino

Andrei Kampff

23/06/2019 19h15

O erro é achar que a derrota para a França e a eliminação no mundial são o fim. Nada disso, pode ser só um capítulo de uma nova era do futebol feminino no Brasil.

Nunca se falou tanto em futebol feminino como agora. No Brasil e no mundo.

Isso começou por causa de uma decisão da FIFA em 2016. A entidade decidiu criar uma estratégia global de fortalecimento da modalidade. A ideia é ter 60 milhões de mulheres praticando o esporte até 2026. A Conmebol e a CBF seguiram na onda e criaram regras que obrigam grandes clubes a investir em times femininos.

Mesmo assim, como já se falou aqui, a realidade do futebol feminino não é a que foi mostrada agora no Mundial da França. Ela é muito mais difícil.

Ele já foi proibido no Brasil. A prática vem lá do início do século passado. Nas praias, nas ruas, em campos de várzea, mulheres também corriam atrás da bola pelo prazer do jogo. 

Mas esse hábito incomodou o Estado Novo de Getúlio Vargas. O Decreto-lei 3.199, de 1941, criou o Conselho Nacional de desportes, e nele estava o art. 54:

"Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país". 

E vai piorar. Em 1965 o regime militar tornou a proibição expressa no CND, por meio da deliberação número 7: 

"Não é permitida a prática feminina de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo, halterofilismo e beisebol".

As mulheres no futebol estavam ainda mais relegadas à ilegalidade. 

Com o enfraquecimento da ditadura, o aumento das liberdades individuais, vários times começam a surgir. Em 1979, já na abertura, a deliberação número 7 foi revogada e surgiram as primeiras ligas não clandestinas de futebol feminino. Mesmo assim, após 40 anos, a realidade é ainda muito difícil. 

Segundo reportagem do UOL no fim do ano passado, a média salarial é de cerca de R$ 1.500. Mas o problema maior é que nem sequer o pagamento é feito de maneira correta, e as atletas, a maioria, nem sequer têm carteira assinada. 

Direitos desrespeitados, salários muito baixos e pouco incentivo. Muito ainda precisa mudar.

Alguns exemplos na Europa mostram que o futebol feminino pode caminhar sozinho, como uma receita interessante para os clubes. Na Espanha, uma conquista gigante que pode servir de exemplo: um protocolo que garante direitos na gravidez e na maternidade.

A Copa do Mundo da França é mais um exemplo de que o futebol feminino não precisa viver só de paixão. Pode ser também um bom negócio. A mídia apostou. O público reagiu bem. O pontapé está dado. É seguir em frente.

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.