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Lei em Campo

Tite pode trabalhar com o filho. Mas entenda por que a CBF errou

Andrei Kampff

23/06/2019 11h00

Antes de mais nada, aviso aos desavisados: a CBF não é empresa pública.

Portanto, não existe crime de nepotismo no caso de Tite e filho trabalhando juntos.

No meu ponto de vista, nem errado precisa ser. Explico. Todos nós conhecemos inúmeros casos de pais que levaram os filhos que embarcaram na mesma profissão para trabalhar com eles. Se for competente, e a avaliação vai existir, o baile segue.

Importante é a empresa que contrata criar mecanismos de avaliação que não deixem que apenas o pai seja o responsável por esse processo. O risco da uma relação viciada e improdutiva é dela.

Esse tipo de parceria profissional é natural. No futebol também. Irmão que tem irmão na comissão técnica. E são vários os casos de técnicos que levaram os filhos para trabalhar com eles. Em outros esportes também.

Sobre o técnico da seleção. Tite trabalha com o Matheus há quase dez anos. Foram campeões de quase tudo pelo Corinthians. Chegaram juntos na seleção brasileira. Isso há três anos. Nem sei por que começou a polêmica agora. Essa discussão deveria ter sido levantada lá atrás.

E ela é ética.

E vai lá para o ano de 2016. Logo depois de acertar com Tite, a CBF alterou o Código de Ética da entidade para permitir que pai e filho trabalhassem juntos. Ela acrescentou ao código que não configura conflito de interesse  a "convocação ou contratação para formação de equipes de futebol ou comissão técnica de clubes ou seleções, desde que se trate de funções técnicas".

A CBF mostrou naquela oportunidade como valorizava pouco um código tão importante.

Naquele momento, ninguém se manifestou. E seria o melhor momento para questionar mais um drible que a CBF deu na ética, mudando o próprio código. E até para levantar a discussão sobre pais e filhos trabalhando juntos no esporte (são vários casos, repito).

Jeitinho. Ele de novo. Algo que não deve ser permitido na vida, nem no futebol.

A Ivana Negrão conversou com especialistas para mostrar os erros da CBF no processo e como as entidades esportivas podem se proteger em casos assim.

 


 

Pelo Código de Ética da CBF, não há "incompaTitebilidade" em Matheus Bachi ser coordenador técnico da seleção brasileira masculina de futebol

O Código de Ética e Conduta do Futebol Brasileiro, no artigo 13, determina, entre outros pontos, que empregar qualquer parente em linha reta ou colateral, de até terceiro grau, configura conflito de interesse.

No entanto, para contratar o técnico Tite, em junho de 2016, a Confederação Brasileira de Futebol precisou fazer uma alteração no documento e acrescentou o parágrafo único, logo abaixo do inciso quinto do mesmo artigo. O texto diz que a contratação de parentes não configura conflito de interesses "para a convocação ou contratação para formação de equipes de futebol ou comissão técnica de clubes ou seleções, desde que se trate de funções técnicas".

A exceção se deu porque, na comissão técnica do recém-contratado Tite, estava seu filho, Matheus Bachi, com quem já trabalhava no Corinthians, clube que comandava à época. 

Por se tratar de uma entidade particular, a CBF não cometeu crime ao alterar o próprio código de ética. "O descumprimento do código tem punições previstas no próprio documento. Então, mudá-lo não incide em implicações legais", explica o advogado especializado em gestão esportiva e Compliance Nilo Patussi. 

Quando chegou à Seleção Brasileira junto com o pai, Matheus Bachi assumiu o cargo de auxiliar técnico e analista de desempenho, e limitava-se a atuar nas questões relativas à preparação dos treinamentos. Agora, com a saída de Sylvinho da comissão técnica brasileira para assumir um cargo de diretoria no Lyon da França, Matheus foi promovido. O filho do professor Tite agora é um dos coordenadores técnicos, abaixo apenas de Cléber Xavier e do próprio pai.

"A promoção não altera a situação", afirma Jean Nicolau, professor universitário e especialista em direito esportivo. Mesmo que agora os holofotes se voltem para essa questão em razão de o filho de Tite assumir um cargo mais importante, "se havia conflito ético (já que não há irregularidade), esse conflito continua. Não existe meia virtude". 

Ao ser questionado por empregar e promover Matheus Bachi, Tite alegou que tem muito orgulho do filho e que o ele reúne condições para estar na posição que está hoje. 

O técnico tem a liberdade de escolher com quem trabalha, e, com o aval do Código de Ética, um dos selecionados pode ser um parente próximo. Mas como funciona a avaliação de rendimento desse profissional? Cabe apenas e exclusivamente ao pai e chefe Tite? Pelas normas de compliance, outros métodos precisam compor esse processo, principalmente nesse caso de parentesco tão próximo.

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.