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Lei em Campo

O drible é a vitória de um no jogo de todos

Andrei Kampff

03/07/2019 05h20

O futebol é o jogo de todos. O genial Alfredo Di Stefano simplificou a questão ao dizer que "nenhum jogador é tão bom quanto todos juntos".

Mesmo assim, claro que a individualidade é um enfeite necessário. E, nela, o drible é o personagem principal.

O drible é aquela vitória de um no jogo de todos.

E é sobre esse momento especial, de ginga, talento e conquista pessoal que escreve Danielle Maiolini, advogada especializada em direito esportivo e colunista do Lei em Campo.

 


 

O drible

Se o futebol é, como já disseram, muitas coisas na vida, o drible tem muito a contribuir. Na verdade, olhando bem, não poderia haver relação mais íntima.
O drible é uma estratégia usada quando se pretende que o outro acredite em algo, para que se possa, de surpresa, fazer outra coisa. Essa história de fingir que vai pra um lado e ir pro outro, deixando o marcador sem reação.
Segundo um professor gostava de brincar, o drible é o falsear da realidade. Ou, pelo menos, o que se espera dela. O jogador diz com o seu corpo o contrário do que vai fazer. Pra Galeano, essa era a prova de que o futebol imita a vida. Isso valia muito pro menino pobre que, desde que nasce, é obrigado a transformar em arma sua desvantagem social. Driblar as possibilidades dadas a quem não tem direito de sonhar mais longe. A habilidade de enganar, além dos pés do adversário, as normas da ordem que lhe negava um lugar. Tornar-se sábio na arte de dissimular, e com isso levar vantagem sobre quem lhe desacreditava. Surpreender. "Abrir caminho onde menos se espera e tirar o inimigo de cima com um requebro de cintura ou qualquer outra melodia da música malandra." Tudo isso, apesar dos donos do poder, e não por causa deles, como gostava de dizer.
Porque permite que se sonhe, o futebol ficou conhecido por tirar o sujeito da pobreza. Aconteceu com muita gente. E, apesar de, vez ou outra, suas incertezas acabarem também por devolver o mesmo sujeito pra lá, a promessa de ascensão ainda é muito mais do que seriam capazes de fazer todos os outros jogos com a bola. Ou sem ela. Ao fim, como trabalho, o futebol pode se tornar o único meio de vida para quem joga. Contrariando a expectativa criada por quem o vê. Como um drible. Aliás, se essa história toda fosse um drible, seria aquela vez em que o Fenômeno, na Inter, driblou quatro. Um atrás do outro. Como se enganasse o destino. Mais de uma vez.
Verdade seja dita, pra quem nasceu tendo um caminho tortuoso como favas contadas, poder fazer a vida com a bola é como ter na manga um elemento surpresa. Sonhar com uma curva que aparece pra mudar o curso de um rio, ou com uma queda d'água que surpreende quem olha a paisagem que se julgava conhecida. Qualquer coisa que, às vezes, da nascente, ainda não dê pra ver. Mas pode ser que esteja lá. Quem vai duvidar? Só andando, ou jogando, pra saber. No futebol, é pagar pra ver.
……….

Referências
O professor em questão é o querido Márcio Tulio Viana.

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.