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Esporte eletrônico precisa de lei. Senado debate sobre isso

Andrei Kampff

06/07/2019 10h26

Sim, o esporte eletrônico precisa de uma legislação. A função da lei é sempre regulamentar algo que sofre com uma insegurança jurídica.

Já se disse aqui que o mundo dos esportes virtuais cresceu de maneira absurda nos últimos anos. O que era apenas um jogo de diversão virou um grande negócio, que movimenta bilhões de dólares por ano. E, dentro desse negócio, estão os campeonatos organizados pelas desenvolvedoras dos jogos.

VEJA TAMBÉM: 

Os jogadores de eSports treinam e se preparam como atletas. Existe contrato entre atletas e clubes, existe categoria de base, existe treinamento, existem patrocinadores – muitos.

Claro que tudo isso cria um universo de situações jurídicas que precisam de uma orientação legal.

Isso tem sido discutido no Congresso.

O Projeto de Lei 383/2017 foi aprovado nessa semana na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, com a emenda 2, que diz: "Não se considera esporte eletrônico a modalidade que se utilize de jogo com conteúdo violento, de cunho sexual, que propague mensagem de ódio, preconceito ou discriminação ou que faça apologia ao uso de drogas".

No meu entendimento, isso não ajuda nos combate a violência e ainda pode gerar um grande problema jurídico lá na frente!

Importante entender o impacto que essa Lei traz se for aprovada, e quais os caminhos que ela vai ter que seguir durante a tramitação do projeto. É o que conta Nicholas Bocchi, advogado especializado em direito esportivo e colunista do Lei em Campo.

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A intenção inicial Projeto de Lei 383/2017, que é a de trazer segurança jurídica às relações no mercado esportivo eletrônico, já foi discutido aqui no eSports Legal .

Naquela oportunidade foi explorada também a emenda 2 ao projeto, que dizia que "Não se considera esporte eletrônico a modalidade que se utilize de jogo com conteúdo violento, de cunho sexual, que propague mensagem de ódio, preconceito ou discriminação ou que faça apologia ao uso de drogas".

Na última terça-feira (02/07/2019) a Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado aprovou, em decisão terminativa, o texto com a emenda.

Entenda quais podem ser os impactos caso esse projeto de lei seja promulgado com esse texto e quais os próximos passos na tramitação do projeto.

Aplicação de leis diferentes para uma mesma atividade

Não existe no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma diferenciação de aplicação de leis diferentes para situações iguais.

O que se pretende – a não-aplicação da lei esportiva apenas para certas modalidades – além de ser uma anomalia jurídica, trata-se de um tiro no pé, tanto da justiça quanto do desenvolvimento econômico de uma atividade.

É importante lembrar que a situação só piora para o lado mais fraco, pois a legislação esportiva tende a enfraquecer o "dono da bola" e oferecer proteções ao atleta (inclusive menor) e clubes.

A verdadeira intenção

A votação do projeto de lei foi marcada por diversos discursos, dentre eles os votos do senador Eduardo Girão (Pode-CE) e da senadora Leila Barros (PSB-DF) foram destaque dentre os que votaram para que o texto fosse aprovado dessa forma.

Enquanto Girão focou em exibir vídeos de games violentos – vários que sequer são eSports – e associar esses jogos ao massacre de Suzano (SP). Algo que já foi rechaçado aqui na lei em campo quando falamos da #Somos Gamers, Não Assassinos

A senadora Leila do Vôlei comparou elementos do esporte analógico com o esporte eletrônico para chegar a sua conclusão, segue trecho:

"Eu acho que me sinto uma legítima representante do esporte. Eu queria deixar bem claro que são 'jogos' eletrônicos. Esporte, vocês vão ver lá Cuba e Estados Unidos competindo dentro de uma quadra e cessando todo tipo de conflito. Desculpa, isso [esports] não é esporte, porque esporte tem uma preparação também. Tem que ouvir a comunidade esportiva também. O alto rendimento é isso, é uma entrega.

Quem é do esporte abdica muito da sua vida, inclusive pessoal, para representar um país".

O que se observa nos dois votos é a desinformação e um superego daqueles que se prendem a uma noção equivocada de qual a função da lei em análise.

A função da lei em análise não é a "ascender os eSports ao nível dos esportes analógicos", como parece crer a legisladora claramente ofendida. A função da lei é apenas regulamentar uma atividade que sofre com a insegurança jurídica.

A intenção daqueles que apoiam a cláusula é claramente a censura daquilo que não entendem.

Onde começa e até onde deve ir a censura

A censura começa quando existe o interesse de proteger pessoas sensíveis de conteúdos gráficos.

No brasil já existe regulamentação para tanto, se trata da Classificação Indicativa, regulamentada pela Portaria nº 1.189/2018 do Ministério da Justiça.

A portaria estabelece critérios para determinar qual é a classificação indicativa do conteúdo, e já faz isso com jogos eletrônicos e com esportes analógicos.

Essa portaria já limita o acesso ao jogo em si.

Ela também estabelece regras para a transmissão de qualquer conteúdo em TV aberta, TV a cabo e vídeo por demanda. Inclusive impondo horários para a transmissão de conteúdo não indicado para menores de 10, 12, 14, 16 e 18 anos:

– 06:00 a 20:00: não poderão ser exibidos conteúdos não recomendados para menores de 12 anos.

– 20:00 a 21:00: não poderão ser exibidos conteúdos não recomendados para menores de 14 anos.

– 21:00 a 22:00: não poderão ser exibidos conteúdos não recomendados para menores de 16 anos.

– 22:00 a 23:00: não poderão ser exibidos conteúdos não recomendados para menores de 18 anos.

– 23:00 a 06:00: poderão ser exibidos qualquer tipo de conteúdo.

Dessa forma a censura já existe e deve permanecer somente no acesso ao jogo em si e na exibição do conteúdo, como já acontece em diversos esportes analógicos, como por exemplo nas lutas de MMA.

Os próximos passos no trâmite do Projeto de Lei do Senado n° 383, de 2017

A lei, que foi proposta no Senado, já foi discutida nas comissões CCT (Comissão de Ciência Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática) e CE (Comissão de Educação, Cultura e Esporte).

O presidente do Senado determinou que a decisão das comissões seria terminativa, ou seja, em regra não serão votadas no plenário. A decisão terminativa veio da votação nesta terça feira (02/07/2019).

O projeto ainda pode ser votado no plenário do Senado, caso haja recurso assinado por pelo menos nove senadores.

Terminada a discussão no Senado, o projeto seguirá até a Câmara dos Deputados, onde o Projeto de Lei será novamente discutido, desta vez pelos Deputados Federais.

Se não houver mudança no texto, o Projeto de Lei irá da Câmara dos Deputados direto para o Presidente da República para veto (total ou parcial) ou sanção.

Se os Deputados decidirem alterar o texto, o Projeto de Lei será rediscutido no Senado antes de ser enviado ao Presidente da República para veto (total ou parcial) ou sanção.

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.