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1936: Brasil manda duas delegações para a Olimpíada. Getúlio decide agir

Andrei Kampff

15/07/2019 12h20

O esporte é tremendamente popular. Por aqui, o futebol é o maior exemplo.

Claro que governos gostam de se apropriar dessa manifestação cultural para faturar politicamente.

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O Estado Novo de Getúlio Vargas foi o primeiro governo a entender que o esporte poderia servir para ajudar na construção de uma identidade brasileira, como também na integração social. Um governo de bandeira nacionalista, de conquistas sociais históricas para os menos favorecidos, mas autoritário e extremamente intervencionista. O esporte não ficaria de fora.

Mas foi uma cisão no próprio movimento esportivo que deu a senha para Getúlio intervir de maneira direta, editando em 1941 a primeira Lei Geral do Esporte, com João Lyra Filho como mentor.

Na Olimpíada de Berlim, em 1936, o Brasil mandou duas delegações (!), e o fato, como não poderia ser diferente, repercutiu muito mal externamente e internamente.

Entenda essa história em mais uma aula sobre o nascimento do direito esportivo brasileiro com Wladimyr Camargos, especialista em direito esportivo e colunista do Lei em Campo.

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Como explicar a intervenção do Estado Novo no esporte?

Na última coluna continuei a falar acerca da chamada Cisão Esportiva ou Dissídio Esportivo que se deu no início do século XX. As disputas entre os dirigentes de Fluminense (Guinle) e Botafogo (Meyer) seriam resolvidas ainda no seio da organização autônoma do esporte, conforme pacto proposto por Vasco da Gama e América do RJ.

Mas como o futebol chegou a esse ponto tão grave de divisão? Alchorne de Souza (O Brasil entra em ação! Construções e reconstruções da identidade nacional (1930-1947). São Paulo: Annablume, 2008, p. 44) conta que Arnaldo Guinle era contrário ao profissionalismo, ao ponto de sua Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA) ter expulso o Vasco da Gama de seus quadros por sua postura pró-atletas profissionais. Ocorre que seu arquirrival Rivadávia Meyer já havia tomado a AMEA de Guinle em 1932. O dirigente do Fluminense passa então a surpreendentemente defender o profissionalismo como forma de retomar o controle do futebol no seu estado.

O movimento para a criação do profissionalismo começou quando Arnaldo Guinle e seu grupo perceberam que poderiam dominar o campo esportivo se criassem uma nova liga de futebol. Sabiam que o profissionalismo era uma questão de tempo. Porém, naquele momento, a AMEA era o órgão responsável pelos esportes no Rio de Janeiro, e o grupo de Guinle levava uma grande desvantagem no interior da associação. Criar uma nova liga também significava esvaziar o poder de oponentes como Rivadávia Correa Meyer, Paulo Azeredo e João Lyra Filho, todos ligados ao Botafogo (id. ibid., p. 44).

Antes de continuar nesta história, chamo atenção de que, na passagem acima, já surge o nome do Pai Fundador do Direito Esportivo no Brasil, João Lyra Filho, justamente como dirigente do Botafogo e aliado ao grupo de Rivadávia Meyer em oposição ao de Guinle.

Voltando, pois, ao Dissídio Esportivo dos anos de 1930, como contei na coluna passada, Guinle e Meyer dividem totalmente a organização do futebol entre profissionalistas (FBF) e amadoristas (CBD), e essa extrema desorganização acaba por resvalar no próprio Movimento Olímpico Brasileiro.

Em meu livro "Constituição e Esporte no Brasil" (Ed. Kelps, 2017), pode-se ler que surgem dois fatos importantes nesse momento da Cisão Esportiva: (i) a participação de Luiz Aranha, presidente da Federação de Atletismo do Rio Grande do Sul, na assembleia do CND de 1933, chamada para deliberar acerca das desfiliações dos clubes pela AMEA; e (ii) o pedido de militares a Getúlio Vargas por uma intervenção total do Estado no esporte.

Luiz Aranha, irmão de um dos principais nomes da Revolução de 30, Oswaldo Aranha, era ligado ao Clube 3 de Outubro, movimento remanescente do tenentismo que havia auxiliado na vitória da Revolução de 1930 e que tinha forte ascensão sobre o governo. Desfrutava da confiança de Getúlio Vargas, que já o havia convidado para assumir funções de proa, como a própria chefia da Casa Civil da Presidência (id. ibid.,p. 47). Rivadávia percebe a importância de Luiz Aranha e o alça à presidência do Conselho Administrativo da CBD, o que acarreta na renúncia do presidente da entidade, Renato Pacheco.

Assim, Guinle passa a ter o controle do campo que reúne os mais representativos setores do esporte, porém sem poder se vincular ao sistema FIFA, e Rivadávia determina os rumos da CBD, filiada à FIFA, mas pouco representativa. O problema de legitimidade interna da CBD passa a ser resolvido com sua proximidade com Luiz Aranha e a liderança do governo Vargas.

Quanto à intervenção total do governo no esporte sugerida pelos militares, conforme narra Alchorne de Souza (ibid., p. 51), no final de 1934, o Ministério da Marinha remeteu aos dirigentes esportivos um projeto pelo qual os esportes passariam a ser comandados por um Conselho Supremo formado por membros do governo e dirigentes esportivos ainda em conflito. Luiz Aranha propõe outra saída, de modo que, em vez do "esporte oficial" dos militares, defendia o "esporte oficializado": "os clubes permaneceriam em poder da iniciativa particular, e que o papel do Estado seria de dar reconhecimento e apoio econômico às práticas desportivas" (id. ibid., p. 47). Porém, o Estado fiscalizaria as entidades e delas cobraria uma postura patriótica. Depois, em 1936, o deputado federal paranaense Paula Soares propõe uma emenda dando plenos poderes ao governo sobre os esportes, conforme noticia o Jornal dos Sports de 17 de outubro daquele ano, indicando que o parlamentar cogitava a criação de um Departamento Nacional de Sports no Ministério da Educação para oficializar o esporte nacional, mas que aguardaria ainda a posição dos dois lados da Cisão Esportiva quanto a uma possibilidade de prévia conciliação.

Ocorre ainda a enorme confusão causada nos Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, em que duas delegações distintas de atletas e entidades brasileiros chegam à Alemanha. Em 1935 o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) é reorganizado pelo grupo de Guinle e organiza uma delegação. Do mesmo modo, a CBD envia outra equipe. Os jogos de Hitler assistiram a um verdadeiro pandemônio por parte dos brasileiros, e o representante oficial do governo Vargas no evento era nada mais nada menos que Lourival Fontes, chefe do Departamento Nacional de Propaganda (DNP), que viria a se tornar o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Um notório fascista.

Isso teria sido a gota d'água para a decisão de Getúlio Vargas de intervir diretamente do esporte.

Aqui é onde entra justamente a proposta de Vasco da Gama e América RJ para recompor o setor esportivo brasileiro contra a intervenção estatal em 1937. Esse pacto dura somente quatro anos, até 1941, quando definitivamente o Estado Novo impõe a tutela esportiva.

Esse será o nosso assunto para a próxima semana.

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.