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Lei em Campo

Não culpe o VAR; entenda a regra do jogo

Andrei Kampff

15/07/2019 05h10

Não lute contra fatos: o VAR veio para ficar.

Aquela tecnologia que você comemora, da qual usa e abusa diariamente, agora também está ajudando o futebol (e vários outros esportes!). E, se por algum motivo, você insiste em gritar contra, não esqueça: o VAR não apita o jogo, ele auxilia o árbitro, que continua soberano.

No futebol é fundamental entender que o árbitro tem poderes para tomar decisões segundo sua própria convicção. Não adiante digitar caixa-alta nas redes sociais contra isso. Esse poder vem das regras do esporte. Regra 5. Além de entender isso, é necessário aceitar: no futebol há espaço para interpretação. Portanto, com ou sem VAR, as discussões e as polêmicas vão continuar.

Ainda bem.

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Claro que o VAR, com o tempo, deixará de ser tão usado; espero que com o tempo os árbitros assumam mais seu papel e deixem de usá-lo como escudo; claro que será menos protagonista do que é hoje.

Mas ele veio para ficar. Também no futebol, contudo, o óbvio tem oposição. Afinal, toda unanimidade é burra, como dizia Nelson Rodrigues. Mesmo assim, aquele conselho que vale para o futebol e para a vida: mais informação sempre traz menos gritaria.

Pensando nisso, vale ler o que escreve Renata Ruel, comentarista dos canais ESPN e colunista do Lei em Campo.

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Seria o VAR o problema, ou o problema está nas regras do jogo?

Há quem pense que a vinda do VAR solucionaria todos os problemas do futebol (ou a maioria deles), que seria o fim das polêmicas, com os resultados todos legitimados, e a modalidade só ganharia com isso. Porém, depois de sua implantação, até recente, já é possível encontrar quem seja contra o sistema. Muitas críticas têm sido feitas em âmbito não apenas nacional, mas também mundial.

Realmente têm ocorrido lances polêmicos; o VAR entra ou não em cena? Mas muitas vezes passa a sensação de que acabou não ajudando como deveria.

Recordemos que, segundo o protocolo, o VAR entra em ação em quatro situações: lances de penalidades (foi ou não pênalti, dentro ou fora; na cobrança ocorreu infração, a bola entrou ou não); quando um gol for marcado (houve algum tipo de infração – impedimento, falta; a bola entrou ou não); identificação equivocada de um jogador; e cartão vermelho.

É importante citar que no protocolo ainda consta que sua atuação deve ser em "erros claros e óbvios", mas na regra 5 encontra-se o seguinte texto: "O árbitro deve tomar as decisões do jogo com o máximo de sua capacidade, de acordo com as regras e o 'espírito do jogo', segundo sua opinião. Em razão disso, o árbitro tem poder discricionário para adotar as medidas adequadas para cumprir a essência das regras do jogo".

A frase "segundo sua opinião" mostra que a regra é interpretativa, pois a opinião de um pode ser diferente da de outro, e de outro, e de outro. 

Dessa forma entram algumas perguntas: tenho como questionar uma imagem, um vídeo, uma foto, ou a minha indagação é sobre a interpretação do árbitro ou da regra?

O que a imagem mostra todos estão vendo. Se há confusão, o problema não está no VAR, ou seja, não é a tecnologia que está ali. Pode ser quem está por detrás dela, pois, se cabe interpretações na regra, as opiniões vão divergir, sim. Nem sempre todos terão a mesma visão e tomada de decisão sobre o lance.

Quão claras são as regras para o VAR interferir somente em "erros claros e óbvios"? As diretrizes recebidas pelos árbitros são únicas ou também originárias de interpretações de instrutores sobre as regras, e essas podem divergir entre si?

Se as regras não são claras muitas vezes, se instrutores opinam e também discordam sobre um mesmo lance com a imagem clara e óbvia, se as diretrizes passadas aos árbitros são distintas, citando as questões em que cabem opiniões, entre o árbitro que está no campo e o árbitro de vídeo podem ocorrer percepções iguais ou não sobre a mesma imagem, e isso pode gerar grande polêmica.

Os critérios precisam se encaixar, as diretrizes serem únicas, a comunicação "emissor – mensagem – receptor" não ser uma "brincadeira" de telefone sem fio, a informação chegar à Europa, América, África, Ásia e Oceania de forma igual, o árbitro do norte não receber informações distintas das do sul. 

O VAR é uma realidade. A tecnologia veio para ajudar, mas os ajustes necessários nas regras e nas diretrizes precisam ser feitos para se chegar a uma maior uniformidade nas tomadas de decisões. 

Porém, enquanto na regra constar "segundo a sua opinião" e houver chances para interpretações, as discussões sobre possíveis erros ou acertos seguirão existindo, com ou sem VAR.

Realmente você acredita que um dia as polêmicas chegarão ao fim? Eu tenho as minhas dúvidas se terão fim, mas acredito que possam diminuir.

E ainda existem outros fatores a serem discutidos: o perfil do árbitro em campo e o de vídeo, a cultura futebolística de cada região, são exemplos do que mais pode interferir e diferenciar uma partida da outra.

De repente tudo isso ajuda a tornar o futebol tão apaixonante.

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.