Necessidade de receita tem afastado quem transformou futebol. E agora?
Futebol é manifestação cultural. Sim, mas também se transformou em um negócio bilionário.
A necessidade de receita para tornar o time competitivo, e vencedor, tem gerado um efeito social condenável: tem afastado dos estádios uma parcela apaixonada, e que foi diretamente responsável pela consagração do esporte no país: a classe média baixa e os pobres.
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A discussão ganha ainda mais conteúdo quando se entende a nossa legislação. O lazer é um direito social consagrado pela Constituição Federal, nos arts. 6º, e 217 e 227.
E agora?
É essa reflexão que propõe Gustavo Lopes, advogado especializado em direito esportivo e colunista do Lei em Campo.
Elitização do futebol: caminho sem volta?
Nos últimos anos, os preços dos ingressos para os jogos de futebol tiveram aumento substancial (segundo pesquisa recente, o Brasil tem os bilhetes mais caros do mundo), o que tem gerado calorosos debates acerca da elitização do futebol e do afastamento dos estádios de significativa parte da população brasileira. O debate torna-se ainda mais relevante quando se considera o esporte bretão como parte da cultura brasileira.
O lazer é um direito social consagrado no artigo 6º da Constituição Brasileira. Além disso, o artigo 217 do texto constitucional, que trata do desporto, estabelece que o poder público deverá incentivar o lazer como forma de promoção social. Ou seja, o esporte, inclusive o futebol, corresponde a atividades de lazer que devem ser incentivadas e promovidas pelo Estado. Finalmente, o artigo 227 determina que o Estado assegure à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, direitos fundamentais e, dentre eles, o lazer. Do mesmo modo, o esporte tem a importante função de auxiliar os programas governamentais de saúde e de combate à violência.
Importante destacar que o futebol surgiu como pedagogia, nos colégios universitários da Inglaterra vitoriana, ou seja, o futebol, antes de tudo, é pedagogia, uma instância instauradora e promotora de valores.
Nesse sentido, o sociólogo Maurício Murad, no livro "A violência e o futebol" (editora FGV, Rio de Janeiro, 2007), aponta experiências bem sucedidas de uma prática esportiva utilizada de forma pedagógica, como o basquete da meia-noite, nos EUA, com equipes de "menores abandonados"; a Vila Olímpica da Mangueira, no Rio de Janeiro, que retira do vício e do crime um número considerável de jovens expostos à marginalidade; o Deporte para los Desplazados, na Colômbia, situado na área central do narcotráfico, em Medellín; o futebol feminino no Irã, um espaço onde as mulheres se despem orgulhosamente de coberturas negras que as escondem, desde o rosto até os pés, e assim denunciam hábitos e dogmas; o futebol de integração em Cabul, onde também as mulheres ousam enfrentar os estigmas de uma cultura milenar, que as subvaloriza e as escraviza; os clubes de "torcidas organizadas", no Japão, "com um total de 67% dos seus integrantes, composto por crianças e por mulheres", que não permite que os jogos tenham um ambiente nervoso, tenso, impulsivo; o futebol ecumênico, no Líbano, com disputas ardorosas entre equipes das três grandes religiões monoteístas e em que um altíssimo grau de religiosidade se casa com imensa tolerância.
Por outro lado, o esporte de alto rendimento, especialmente o futebol, demanda altíssimos investimentos, e a receita das bilheterias é essencial para sua manutenção. As equipes têm orçamentos de milhões de reais mês a mês para manter as atividades e os bons times. Além disso, os torcedores querem que seus clubes de coração mantenham craques nos elencos e que disputem títulos, o que, seguramente, não custa pouco. Como qualquer espetáculo de qualidade, o futebol tem uma despesa muito alta, que deve ser arcada por seus "clientes", como ocorre, por exemplo, nos grandes shows de estrelas internacionais. O Estatuto do Torcedor, por sua vez, traz uma série de exigências no que diz respeito à infraestrutura e ao conforto dos torcedores, as quais acabam por impulsionar os preços dos ingressos.
Apesar do incremento nos preços dos bilhetes, o futebol brasileiro continua perdendo suas principais estrelas para os grandes clubes europeus, enquanto os nossos permanecem endividados.
Seria, então, a elitização do futebol brasileiro um caminho sem volta?
Sob o ponto de vista econômico e de viabilidade de um futebol de alto nível e de alto rendimento, a elitização mostra-se como um caminho sem volta, já que os clubes devem ofertar seu espetáculo com a venda de ingressos com preços compatíveis aos investimentos realizados. Da mesma maneira, ao fixar os valores dos bilhetes, as entidades esportivas devem observar critérios e preços que permitam uma curva ascendente de receita, e não uma descendente.
Já sob o ponto de vista social, é possível, por meio de projetos governamentais, reverter a elitização do futebol. O primeiro passo foi dado com a MP do Futebol. A medida determina que os clubes que renegociarem suas dívidas fiscais com o governo mantenham "oferta de ingressos a preços populares". No entanto, a lei não estabelece valores e forma de concessão dos preços populares.
Portanto, para impedir a irreversível elitização do futebol e, ainda, utilizá-lo de forma pedagógica, o poder público, no exercício de seu dever constitucional, deve criar meios e programas que permitam aos clubes oferecer ingressos populares e, ao mesmo tempo, manter a receita necessária para sua manutenção em alto nível.
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