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Lei em Campo

Com WO, Figueirense deverá perder pontos e pode até ser excluído da Série B

Andrei Kampff

30/07/2019 11h53

Duas considerações importantes: primeiro, pagar em dia é compromisso de todo gestor responsável; segundo, jogador de futebol é um trabalhador, também para fins legais. Um contrato com algumas especificidades, por isso chamado de Contrato Especial de Trabalho.

A CLT garante, no art. 483, D, rescisão de contrato no caso de inadimplemento do empregador. A Lei Pelé, no art. 31, fala que atleta também pode buscar a rescisão se o clube atrasar em três meses ou mais seu salário. Vale também para FGTS e contribuições previdenciárias.

A FIFA é mais rigorosa e determina dois meses de atraso para rescisão.  

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Com salários atrasados, jogadores do Figueirense ameaçam não entrar em campo pela série B. Se isso acontecer, o clube deve ser punido pela Justiça. Os jogadores também podem ser punidos. É o que diz o Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Mas a greve é um direito garantido pela Constituição. E agora?

O Thiago Braga conversou com especialistas e explica essa história.

 


 

Em uma crise financeira que parece interminável, o Figueirense pode não entrar em campo nesta terça-feira (30), contra o Vitória, pela 13ª rodada do Campeonato Brasileiro da Série B. Na tarde da segunda-feira (29), os jogadores do clube não treinaram em protesto pelo atraso nos salários de jogadores e funcionários do clube. Além disso, o técnico Hemerson Maria, alegando falta de respeito da diretoria do clube, pediu demissão.

"O processo vai para o STJD, que poderá aplicar uma das penas descritas no artigo 203 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Mas se houver WO, o clube é considerado perdedor por 3 a 0", analisa o procurador de Justiça e professor de direito esportivo Martinho Neves Miranda.

O artigo 203 do CBJD prevê que o clube que "deixar de disputar, sem justa causa, partida, prova ou o equivalente na respectiva modalidade, ou dar causa à sua não realização ou à sua suspensão" está sujeito a pena de multa, que pode variar de R$ 100 a R$ 100 mil, mais a perda dos pontos em disputa a favor do adversário.

Assim, se os jogadores do Figueirense decidirem não entrar em campo nesta terça-feira, o Vitória ficará com os três pontos do jogo.

No mesmo artigo do CBJD, também está prevista a exclusão de times dos torneios. O segundo parágrafo diz que, "se da infração resultar benefício ou prejuízo desportivo a terceiro, o órgão judicante poderá aplicar a pena de exclusão da competição em disputa". E se os atletas resolverem não entrar em campo em uma segunda partida, a decisão pode significar a retirada do time da Série B, como diz o terceiro parágrafo do referido artigo: "Em caso de reincidência específica, a entidade de prática desportiva será excluída do campeonato, torneio ou equivalente em disputa".

Para o advogado especialista em direito esportivo Bernardo Accioly, a questão é complexa e pode gerar prejuízos também para os jogadores. "Lembrando sempre que o protesto dos jogadores pode ser justo. Por outro lado, os atletas podem ser punidos pelo clube com multas, suspensões e, eventualmente, demissões por justa causa. Mas depende do que prevê o contrato de trabalho de cada um", resume Accioly.

O contrato de trabalho do jogador é regido pela Lei 9.615, a famosa Lei Pelé, de 24 de março de 1998, havendo ainda a aplicação subsidiária da CLT.

"Entretanto, como qualquer outro trabalhador, o jogador de futebol tem o direito constitucional à greve, conforme preconizado no artigo 9º da Constituição Federal, regulamentado pela Lei 7.783/89, também conhecida como Lei da Greve", avalia o advogado Lucas Zandonadi, especialista em direito trabalhista.

Mas os problemas do Figueirense não param por aí. Uma denúncia feita pela Procuradoria Regional do Trabalho da 12ª Região à Procuradoria-Geral de do STJD pode fazer o clube catarinense perder mais três pontos no Campeonato Brasileiro da Série B, além dos pontos que o clube deve perder se não entrar em campo contra o Vitória.

Isso porque o Fair Play Trabalhista, instituído pela CBF no Regulamento Geral do Campeonato Brasileiro, prevê a perda de três pontos por partida a ser disputada se reconhecido o atraso salarial.

O artigo 17 do regulamento do Brasileirão diz que "o clube que, por período igual ou superior a 30 (trinta) dias, estiver em atraso com o pagamento de remuneração, devida única e exclusivamente durante a competição, conforme pactuado em Contrato Especial de Trabalho Desportivo, a atleta profissional registrado, ficará sujeito à perda de 3 (três) pontos por partida a ser disputada, depois de reconhecida a mora e o inadimplemento por decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD)".

O STJD notificou o Figueirense no dia 16 deste mês e deu ao clube 15 dias para que ele apresente os comprovantes do pagamento dos débitos. Se isso não ocorrer, o órgão pode denunciar o clube, o que levará o Figueirense a julgamento para decidir se haverá ou não perda de pontos. Se condenado, o clube pode impetrar recurso no Pleno do tribunal antes de ter a punição efetivada.

"Sempre cabe ressaltar a possibilidade da rescisão do contrato do jogador de futebol ante a falta de pagamento por período igual ou superior a três meses, nos termos do artigo 31 da já mencionada Lei Pelé", finaliza Zandonadi.

Por Thiago Braga

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.