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Lei em Campo

Guardiola dá mais uma aula: o silêncio tem que ser combatido no futebol

Andrei Kampff

01/09/2019 09h23

Pep Guardiola é referência no futebol. O espanhol criou quando estava à frente do Barcelona um estilo de jogo que passou a ser modelo de futebol eficiente, e que encanta ao mesmo tempo. Mas o técnico não se limita aos feitos que comanda do banco, e é exemplo em outra área fundamental: a defesa da classe.

Guardiola se posiciona. Ele não cruza os braços diante de absurdos do futebol. O tradicional clube inglês Bury foi banido da Inglaterra por questões financeiras. Por aqui, o Figueirense enfrenta série série crise cuja maior vítima são os empregados do clube que ficaram meses sem receber. Guardiola falou disso. Não silenciou, como a imensa maioria

Em entrevista dada ao Renato Senise, e veiculada no DAZN, Pep Guardiola defendeu os jogadores do time brasileiro e cobrou medidas para maior ajuda das federações aos clubes de menor expressão.

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"Teria que ser um plano da federação, e não punir os jogadores ou o treinador, porque todos queremos que o Figueirense possa continuar na liga do Brasil e jogando futebol. Mas precisa existir um plano de viabilidade econômica para que essas equipes possam subsistir". 

O absurdo dos salários atrasados no Brasil vai além da má gestão esportiva. E tem caminhos possíveis para se combater. O primeiro deles é justamente posicionamento.

Jogador é um trabalhador 

Antes de tratar disso, duas considerações importantes: primeiro, pagar em dia é compromisso de todo gestor responsável; segundo, jogador de futebol é um trabalhador, também para fins legais. Um contrato com algumas especificidades, por isso chamado de Contrato Especial de Trabalho.

A CLT garante, no art. 483, D, rescisão de contrato no caso de inadimplemento do empregador. A Lei Pelé, no art. 31, fala que atleta também pode buscar a rescisão se o clube atrasar em três meses ou mais seu salário. Vale também para FGTS e contribuições previdenciárias.

Mas atleta não quer rescindir contrato, ele quer trabalhar. E receber.

Mas regras não ajudam 

As regras de combate a má gestão no futebol são fracas. Elas dificultam o direito do atleta de lutar para receber por serviço prestado, e facilitam a vida do clube devedor. 

A CBF começa a discutir a questão do Fair Play financeiro. Estamos atrasados. Estabelecer mecanismos de controle é fundamental para proteger entidades esportivas de maus gestores. Hoje, as punições são brandas e ineficazes para quem administra clube de maneira irresponsável.

O atleta e sua família são as principais vítimas.

Só para se ter ideia, hoje, clube devedor no Brasil ainda pode continuar contratando. Isso mesmo: não há regras que proíbam clube que não paga salário de investir em reforços, como existe na Europa.

Agora, desunião dos atletas. 

Atleta não é unido no Brasil. Nem as pessoas que trabalham com o esporte olham para os problemas dos outros. Não existe mobilização contra algo inaceitável: como atraso no pagamento de salários. Nem da sociedade, nem dos próprios jogadores.

O atleta é aquele que sua, que brilha, que cria. Mas também é aquele que pensa muito mais em si (como em quase todas as categorias), esquecendo a essência coletiva do esporte. Ele ignora o poder do grupo na defesa de causas plurais.

Que movimento de classe se viu na luta por uma causa coletiva  no futebol daqui?

Bom Senso F.C.?

Foi um embrião de algo que se perdeu por pressão dos clubes, pelo baixo engajamento dos atletas, por uma agenda desfocada e pela absoluta falta de compreensão da responsabilidade que a classe tem com cada um dos jogadores.

Os sindicatos de atletas não são representativos. Ganham compulsoriamente sem uma contraprestação que a classe reconheça como importante. Pergunte para a imensa maioria dos atletas o que o sindicato faz por eles, ou quem é o presidente do seu sindicato. Eles não vão saber responder.

Então, engula essa, na Argentina é diferente.

Muito por ser um país com deficit educacional bem menor do que o nosso, os atletas entendem o compromisso que têm com o atleta.

Mesmo recebendo em dia e bem, vários já pararam a bola para defender aqueles que recebem mal ou nem sequer recebem. Greve. Força coletiva. Espírito de grupo.

E, uma pergunta importante. Você, torcedor, já protestou contra seu clube por salário atrasados?

Sim, você também deve ajudar.

Dá pra mudar!

Claro! Com união dos atletas, com sindicatos representativos, e mudanças nas regras.

Isso, a CBF tem que entrar nessa!

Se não for assim, os clubes devedores agradecem.

Siga o exemplo de Guardiola: se posicione contra esse absurdo.

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Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.