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Clube-empresa: de volta para o futuro?

Andrei Kampff

13/09/2019 11h00

Todo mundo falando de uma discussão antiga. Mas, tudo bem, ela ainda é atual, e fundamental.

Clube-empresa.

Até a sepultada Lei Zico já tratava da transformação dos clubes de associações esportivas em empresas lá em 1993. A Lei Pelé, de 1998, tentou tornar obrigatória a transição – não deu certo. Afinal, a regra feria nossa Carta Magna.

As pessoas não podem esquecer – jamais – da autonomia esportiva. Hoje a Constituição Federal, no art. 217, dá autonomia às entidades esportivas, que podem escolher a natureza jurídica sob a qual querem trabalhar. Ou seja, os caminhos a seguir são determinados pela entidade, não por governo ou Congresso. 

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A verdade é que os clubes precisam de uma gestão séria, comprometida com transparência, ética, que implemente compliance e trabalhe com profissionais qualificados em cada área. E isso pode ser feito independentemente da natureza jurídica que ele adotar. Cada clube tem uma realidade, e o modelo jurídico também precisa caminhar de acordo com os fatos, as vontades e desafios que serão colocados. 

Dito isso, é importante ler as considerações de Luiz Marcondes, presidente do Instituto Iberoamericano de Direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

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Clube-empresa: De volta para o futuro?

"Tive um pesadelo horrível. Sonhei que voltava no tempo."1

Os cadernos de esporte dos principais veículos de comunicação do país têm dividido nos últimos dias a atenção entre os gramados e a política. A criação de uma nova legislação para incentivar os clubes de futebol a se transformem em empresas está em pauta no Brasil inteiro. O formato de associação, adotado pela ampla maioria até o momento, daria espaço para sociedades anônimas ou limitadas.

Somos grandes entusiastas da reestruturação do nosso arcabouço jurídico-desportivo, para que o Direito possa dar o suporte adequado ao desenvolvimento contínuo do Esporte, entretanto, conhecendo o filme "De volta para o futuro", em que um adolescente volta no tempo, comete uma falha e precisa arrumar o futuro, não podemos voltar a cometer os erros do passado. A primeira redação da Lei 9.615/98, a Lei Pelé, já trazia tal previsão da obrigatoriedade da mudança como sendo a mais importante do sistema brasileiro:

"Artigo 27.

As atividades relacionadas competições de atletas profissionais são privativas de:

  1. – sociedades civis de fins econômicos;
  2. – sociedades comerciais admitidas na legislação;

III. – entidades de prática desportiva que constituírem sociedade comercial para administração das atividades de que trata este artigo.

Parágrafo único.

As entidades de que tratam os incisos I, II e III deste artigo que infringirem qualquer dispositivo desta Lei terão suas atividades suspensas, enquanto perdurar a violação".

A redação do artigo 27 limitava a participação em competições de natureza profissional (competição praticada por atletas profissionais) às entidades que adotassem uma das três formas societárias previstas nos seus incisos. A legislação conferiu o prazo de dois anos para que os clubes pudessem se adaptar às novas formas societárias, caso pretendessem continuar atuando em competições profissionais.

O fato é que neste período, os dois maiores clubes que se anteciparam, os baianos Bahia e Vitória, caíram de divisão logo na sequência, sofrendo muito para retornar a elite do futebol brasileiro. Dentre outros pontos, a carga tributária e as obrigações administrativas da sociedade empresária, que são maiores, complicaram a vida dos clubes naquele momento. 

"Será duro esperar 30 anos para falar com você sobre tudo que aconteceu nos últimos dias."2

Assim, logo o governo soltou uma Medida Provisória, a nº 2.011 de 30 de dezembro de 1999, que alterou uma série de dispositivos da Lei Pelé. E conforme a Lei 9.981/2000, o artigo 27 teve uma série de modificações, passando a obrigatoriedade da transformação para faculdade, ficando com a seguinte redação:

"Art. 27. É facultado à entidade de prática desportiva participante de competições profissionais:

I – transformar-se em sociedade civil de fins econômicos,

II – transformar-se em sociedade comercial,

III – constituir ou contratar sociedade comercial para administrar suas atividades profissionais.

Isto posto, de plano, não podemos admitir que a mudança volte a ser obrigatória, nem mesmo indiretamente. O projeto a ser entregue na Câmara supostamente iria propor uma nova ordem tributária para o clube-empresa, mas com equiparação tributária mesmo para os clubes que não se transformassem. Sabendo que na condição de associação o clube tem vantagens fiscais, seria essa uma obrigatoriedade indireta.

Ressaltamos, por fim, que a natureza jurídica do clube não é garantia de boa administração. Os dois maiores clubes da Espanha, Real Madri e Barcelona, apesar de fazerem parte do hall de mais ricos do mundo, são associações.

Que os nossos parlamentares tenham em Brasília um DeLorean DMC-12 como carro oficial para montar a "máquina do tempo", produzindo um verdadeiro avanço e evitando a recriação do projeto clube-empresa "Ilusão S/A" ou "Evolução Ltda."!

 "Concordamos que informações do futuro podem ser extremamente perigosas. Até mesmo se as intenções forem boas, o tiro pode sair pela culatra, drasticamente."3

1,2e3 – Frases do filme "De volta para o futuro de 1985

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.