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Lei em Campo

Saiba o que incomoda os clubes no projeto defendido por Rodrigo Maia

Andrei Kampff

16/09/2019 04h00

Nesta terça-feira (17) tem uma nova reunião entre os clubes e os deputados que trabalham no projeto do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ). Mas já se viu que, do jeito que foi apresentado, a resistência será grande. Ainda bem.

O projeto abraçado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, traz uma máscara de modernidade, mas apresenta alternativas repetidas no passado.

De cara, ele se mostra como um grande acordo para beneficiar clubes devedores, que teriam 20 anos para pagar dívidas e – para não apertar demais – 50% de redução do valor devido.

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Para isso, é só virar empresa!

Aí uma questão importante de direito esportivo. O Estado interferindo de novo na autonomia esportiva constitucional. A Lei Pelé já foi modificada por esse passo arriscado. O Profut também.

Outro problema. A "negociação" traria vantagem financeira ao clube mal administrado, contrariando princípio caro ao esporte – o da igualdade entre os competidores. Seria uma espécie de "doping financeiro". O clube que respeitou regras estaria em desvantagem.

É fundamental, nesse momento em que o movimento esportivo e o Congresso debatem sobre o esporte, que se discuta e se avance na construção de um mecanismo legal que corrija os descaminhos da gestão esportiva, que exija compromissos com ética e transparência. Caso contrário, não se tomará o caminho da modernização e moralidade da gestão, mas se repetirão fórmulas paliativas de amparo à incompetência.

Os próprios clubes levantaram questões importantes que precisam ser esclarecidas e, provavelmente, modificadas. O projeto defendido por Rodrigo Maia parece embrionário, e exige mais conversa e entendimentos.

A Ivana Negrão conversou com especialistas e conta o que preocupa nesse projeto.

 


Nesta terça-feira (17), acontece mais uma reunião para análise do projeto que visa transformar os clubes de futebol em empresas. Algumas divergências surgiram nos encontros ocorridos na semana passada entre Rodrigo Maia, presidente da Câmara, o deputado Pedro Paulo, relator da proposta, os presidentes dos clubes e representantes da CBF.

"Houve rejeição à forma, e não ao objeto. Os clubes apoiam e querem participar do projeto, mas é preciso criar um plano atrativo para os clubes aderirem naturalmente, de uma forma orgânica", explica André Sica, advogado que compõe a comissão jurídica do projeto pela CBF e pela Federação Paulista de Futebol.

A principal discordância está na questão tributária. Pelo projeto do deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ), todos os clubes teriam que deixar de ser associações sem fins lucrativos e se tornar sociedades anônimas ou limitadas. A mudança viria com uma carga de impostos significativa. Atualmente, os clubes são isentos do pagamento de Confins, Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CLSS), Pis e Imposto de Renda (IR).

"Hoje, apenas dez clubes teriam condições de fazer essa mudança, num universo de 800 clubes que existem no país", informa André Sica. Ou seja, a ampla maioria não consegue se enquadrar, nem mesmo com a possibilidade de atrair investidores e ofertar ações na Bolsa de Valores. "Não tem investidores para todos os clubes, o que inviabilizaria a maior parte deles", alerta Wladimyr Camargos, advogado especialista em direito esportivo.

Outro ponto que preocupa os clubes é a possibilidade de retirar os direitos trabalhistas dos jogadores que ganham acima de R$ 10 mil por mês. Essa medida entra em conflito com a legislação trabalhista vigente e geraria uma série de processos judiciais. Nem a possibilidade de um novo refinanciamento de dívida, com redução de 50% dos juros e pagamento em 240 parcelas, tem brilhado os olhos dos representantes das agremiações.

A ideia dos clubes, portanto, é conversar para que seja criada uma proposta com tributação especial, regras de compliance e uma adaptação à nova realidade que está por vir. "A proposta apresentada é bem inicial, embrionária", define Wladimyr. "É preciso criar um ambiente atrativo para a migração, para que os clubes saibam como se sustentar a longo prazo, como gerir uma empresa", acrescenta André Sica.

No entanto, o governo tem pressa na aprovação da proposta. Nos termos atuais, ela teria que entrar em vigor antes da reforma da Previdência, que vale a partir de outubro, para ser possível oferecer um prazo tão extenso de refinanciamento de dívidas. O texto ainda está sendo formatado para começar a tramitar na Câmara. Se aprovado, segue para o Senado, onde terá o senador Romário como relator. A reunião desta segunda-feira na CBF deve sinalizar se o projeto segue a todo vapor, ou vai ser trabalhado com mais prazos.

 

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.