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Crise política na Espanha paralisa até craques do futebol. Entenda

Andrei Kampff

20/10/2019 04h00

O futebol não se separa da vida. Eles caminham juntos, nem sempre por terrenos tranquilos. Popular que é, ele foi – e é – usado como vínculo de identidade de nações em vários lugares do mundo. Com histórias fantásticas, e outras tristes.

Se na Itália campeã mundial de 1934 e 1938 os jogadores italianos tinham que saudar o fascista Mussolini, a nazista Alemanha não tolerou a "vergonha" da sua seleção ser derrotada por um time ucraniano. Os jogadores do Dínamo de Kiev foram avisados de que morreriam se vencessem a partida que aconteceu em 1942, durante a ocupação na Segunda Guerra.  Honraram chuteiras, a dignidade e a pátria, venceram a partida e morreram fuzilados com a camisa do time  Um monumento na Ucrânia conta essa essa história. 

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O poder soviético também trouxe vítimas para o esporte. Kubala, Puskas, Kocsis jogaram por times do exílio húngaro e foram punidos pela poderosa FIFA. Na Guerra da Indpendência contra contra a França, a Argélia montou uma seleção de futebol que vestiu a camisa do país pela primeira vez, com argelinos que ganhavam a vida jogando no país colonizador. Só Marrocos topou enfrentar um time que representava o sentimento de uma nação. Foi desfiliado. Os jogadores argelinos não mais jogaram profissionalmente.

E seriam muitos os outros exemplos do futebol atuando em movimentos sociais importantes, mas precisamos chegar na Espanha.
O ditador Ferdinando Franco – de 1938 a 1973 – também usava o futebol para faturar politicamente. O poderoso Real Madri, que reinou no mundo entre 1956 e 1960, era um cartão de visita da ditadura. O Barcelona era a resistência.  O presidente do clube morreu pelas balas franquistas. O time catalão se tronou peregrino, assim como Eusaki. Os dois eram símbolos da resistência democrática para o mundo. 
E isso traz reflexos até hoje, quando o El Clássico foi suspenso em função de protestos em toda Catalunha.

Entenda mais sobre o que acontece na Espanha com Gustavo Lopes, advogado especializado em Direito Esportivo e colunista do Lei em Campo. 

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A Catalunha é uma Comunidade Autônoma da Espanha, formada pelas províncias de Barcelona, Girona, Lérida e Tarragona. Em uma analogia, as comunidade autônomas são como os estados brasileiros possuem certa autonomia, mansão são soberanos.

Uma das regiões mais ricas da Espanha, a Catalunha possui língua e idiomas próprios e o povo catalão tem um sentimento de nacionalismo "extra-espanhol", o que traz um forte movimento separatista.

O Tribunal Supremo da Espanha condenou de 9 a 13 anos prisão nove políticos que ajudaram a organizar em 2017 um referendo sobre a independência da Catalunha, o que gerou uma grave crise política no país.

As manifestações levaram ao cancelamento do superclássico entre Barcelona e Real Madrid que ocorreria no dia 26 de outubro na capital catalã.

O Barcelona, aliás, que traz o slogan "Mais que um clube"demonstra a relação entre o time e a cultura catalã. Essa identificação nasceu junto com o clube em 1899, eis que seu fundador, o suíço teria fundado o clube exatamente para "celebrar os catalães e seu sonho de independência". Assim, o escudo do clube tem as cores da bandeira catalã, vermelho e amarelo, e a cruz de São Jorge, padroeiro da nação catalã.

Durante o governo do general Franco (1939 a 1973) torcer pelo Barcelona se tornou sinônimo de lutar pela liberdade e pela causa catalã. Após o golpe que colocou o general no poder, a língua e as tradições da nação catalã foram proibidas.

Além disso, quando as tropas franquistas invadiram a cidade de Barcelona, o então presidente do clube foi morto e a sede do clube bombardeada.  Enquanto isso, o Real Madrid era o clube de coração do general Franco e acabou sendo identificado como o time do regime franquista.

Com todos esses ingredientes, a Real Federação Espanhola acertadamente decidiu suspender o clássico até que a paz seja restabelecida entre catalães e espanhóis.

 

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.