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Tri mundial da África do Sul mostra como rugby ajudou a unir país dividido

Andrei Kampff

06/11/2019 21h38

É infinita a capacidade do esporte de surpreender. Pelo que consegue fazer em um campo, numa pista, ou numa quadra, mas também pelo poder de transformar o que está ao redor dele. Ele ajudou a África do Sul não só internamente, mas também internacionalmente. Removeu estereótipos negativos sobre o país, reforçando compromissos assumidos pós-Apartheid. Um novo país, com uma nova imagem reforçada por uma conquista no rugby. 

Em 1995 Nelson Mandela, o negro que assumiu como presidente um ano anos – e depois de 27 anos preso-, levou a Copa do Mundo de rugby para o país. Era o terceiro mundial, mas o primeiro com a participação do país africano que estava afastado do movimento esportivo global por conta do Apartheid.

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No governo, Mandela entendia a força do esporte e, de maneira inteligente, se aproximou dos líderes brancos da seleção, como o capitão Pienaar. Os dois se tornaram aliados, e ergueram juntos o troféu de campeão mundial de rúgbi, no superlotado Ellis Park, em Joanesburgo.

A imagem dos dois com a taça foi mais um símbolo da união e dos novos tempos de paz. O filme "Invictus", com Matt Damon como Piennar e Morgan Freeman como Mandela, retrata a importância dessa conquista.

Depois de 24 anos daquela façanha, os Springboks conquistaram mais um mundial. E, de novo, em uma conquista histórica: um negro como capitão! Mais um feito que comprova como esporte é um instrumento fundamental para impulsionar conquistas sociais.

Quem traz essa história é Luiz GG Costa, advogado em Londres e colunista do Lei em Campo.

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Mas que Mundial, hein?

A Copa do Mundo de Rugby 2019. Que evento magnífico! Quanta coisa aconteceu nesses 45 dias de magia! Tanta coisa que fica difícil relatarmos em uma coluna a importância deste mundial. Mas vamos lá.

Este foi o primeiro mundial a ser realizado na Ásia. E como era de se esperar, o Japão gabaritou como anfitrião. O lema foi Omotenashi (hospitalidade japonesa). Quem acompanhou os jogos percebeu como os japoneses rapidamente enturmaram com as outras torcidas transformando a festa nas arquibancadas gigante. Pudemos constatar famílias de turistas assistindo aos jogos junto às famílias japonesas. Uma festa das mais variadas cores das camisas das torcidas, das pinturas faciais e, é claro que não poderia faltar, das fantasias. Como é de costume nos jogos de rugby, grande parte das torcidas vão fantasiadas.

Nem mesmo as forças da natureza tiraram o brilho da organização dos anfitriões. O tufão Hagibis assolou o país durante o mundial, trazendo tragédia e fatalidades. Milhares de pessoas tiveram de ser evacuadas. Vários jogos adiados. Porém, numa demonstração exemplar de resiliência e coragem, enquanto os trabalhos das equipes de resgate ainda não haviam concluído, a seleção japonesa decidiu ir a campo. As águas da enchente ainda não haviam baixado, com um minuto de silêncio antes do pontapé inicial, minuto esse que simbolizou muito mais do que qualquer um possa imaginar (num ambiente no qual ainda não era conhecido o número de vítimas ou suas identidades), a seleção japonesa decidiu ir a campo. World Rugby, o órgão internacional do esporte, recomendou o adiamento da partida, mas optou por deixar a decisão nas mãos do comitê local. Decidiram jogar. O orgulho e a honra de sediar evento de tamanha magnitude podem ter sido definidores. A tecnologia do estádio de Yokohama, onde o jogo da seleção japonesa contra a da Escócia foi realizado, trouxe confiança aos organizadores. O local onde o estádio se encontra forma parte do sistema de defesa de enchentes. O estádio em si fora construído sobre estacas e fica em uma região da bacia do rio Tsurumi, permitindo que as águas corram livremente por baixo dele.

Acima de tudo, os japoneses queriam mostrar ao mundo que eles são capazes (as Olimpíadas do Japão será realizada ano que vem). A seleção japonesa, impulsionada pela torcida e pelo talento de seus jogadores, venceram a Escócia naquela noite e se classificaram para as quartas de final do mundial. Infelizmente perderam nas quartas para a que viria ser a campeã de 2019, África do Sul.

Em campo, outras seleções foram super destaque. A Inglaterra por exemplo, venceu a tão esperada semifinal contra a toda poderosa seleção neozelandesa. Os All Blacks (como é conhecida a seleção da Nova Zelândia), não perdiam um jogo de copa do mundo desde 2007, vencendo as duas últimas edições do mundial. Os ingleses neutralizaram os All Blacks já no primeiro tempo, marcando seu primeiro try aos dois minutos de partida. Que jogaço!

Porém, jogaço mesmo foi a final! Inglaterra x África do Sul. Os ingleses entraram como favoritos devido à partida perfeita que fizeram contra os All Blacks. Porém, foi a África do Sul que fez a partida perfeita na final do mundial. Com seu jogo de chutes, os Springboks (como é conhecida a seleção sul-africana) venceu por 32 a 12.

E, é claro, não poderíamos deixar de relatar a importância desta final para a África do Sul. Principalmente para seu capitão, Siya Kolisi, o primeiro capitão negro da história dos Springboks.

Como se não bastasse o peso da capitania dos Springboks, quando Kolisi caminhou para receber o troféu em nome da sua seleção, o estádio quase veio abaixo tamanha emoção. Não só no estádio. Num país inteiro. O rugby, em especial para a África do Sul, tem poder transformador. Em 1995, Nelson Mandela, vestindo sua camisa 6, assistiu ao capitão Francois Pienaar levantar a taça de campeão do mundial em casa. Aquela era a primeira participação dos Springboks em copas do mundo. Aquela era a terceira copa do mundo e, apesar de terem sido instrumentais na criação do mundial, por causa do apartheid os Springboks não participaram das duas primeiras edições. Assim, 24 anos depois daquela façanha imortalizada até por Hollywood (assistam a Invictus, filme dirigido por Clint Eastwood e estrelado por Morgan Freeman e Matt Damon), quando Kolisi levantou o troféu, o significado da vitória se tornou (alguns dizem) ainda maior do que a conquista de 1995. A história de Kolisi vale um filme. Filho de pais adolescentes, de uma parte pobre de Port Elizabeth, ele foi criado pela avó, que era faxineira.

Como dissemos, é muita coisa para uma coluna só.

Esperamos agora, que no próximo mundial mais história seja escrita. Principalmente com a primeira participação da seleção brasileira. Vamos lá, Tupis! #VemSerRugby.

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.