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Lei em Campo

Senado discute lei para eSport, e provoca revolta nas redes sociais

Andrei Kampff

21/11/2019 04h00

Uma # chamou a atenção nessa semana no Twitter. A #todoscontraPLS383 é um dos assuntos mais comentados na rede social. Quem compartilha a # está preocupado com o Projeto de Lei que quer regulamentar o esporte eletrônico no Brasil.

Sim, eu acredito que esporte eletrônico precisa de uma legislação. A função da lei é sempre regulamentar algo que sofre com uma insegurança jurídica.

Já se disse aqui que o mundo dos esportes virtuais cresceu de maneira absurda nos últimos anos. O que era apenas um jogo de diversão virou um grande negócio, que movimenta bilhões de dólares por ano. E, dentro desse negócio, estão os campeonatos organizados pelas desenvolvedoras dos jogos. Ela é a dona do jogo, e é ela que determina as regras dos campeonatos. É como se ela fosse a federação dos esportes tradicionais.

A imensa maioria das pessoas ainda está distante desse universo, e nem desconfia o tamanho que o negócio tomou. Os jogadores de eSports treinam e se preparam como atletas. Existe contrato entre atletas e clubes, existe categoria de base, existe treinamento, existem patrocinadores – muitos.

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Claro que tudo isso cria um universo de situações jurídicas que precisam de uma orientação legal. Até a Lei Pelé tem sido hoje usada para resolver discussões jurídicas, e orientar contratos que são feitos até entre atletas e equipes. E claro que a Lei Pelé quando foi escrita sequer sabia o que era eSport.

A questão maior agora é entender como o Projeto de Lei 383/2017 tem sido construído, e por que ele ganhou a antipatia quase que geral da comunidade gamer.

É preciso entender: o que diz esse projeto de lei?  Ele foi discutido e analisado por todos os segmentos da área?

É fundamental em qualquer discussão legislativa a participação de movimentos que se relacionam com a área. importante colocar advogados, desenvolvedores, eatletas, e o movimento esportivo nessa conversa.

E esse debate começou, como conta a Ivana Negrão que ouviu especialistas sobre o assunto.


 

Uma nova audiência pública será realizada nesta quinta-feira (21), no Senado Federal, para o aprofundamento do debate, que está longe de chegar ao fim. No último dia 7, na reunião da Comissão de Educação, Cultura e Esporte, representantes da comunidade gamer voltaram a demonstrar preocupação com alguns pontos do PLS 383/2017.

Considerar a modalidade como esporte "tradicional" é uma das grandes polêmicas. "Tem suas diferenças, e o grande desafio é abrir esse olhar. Para não encaixar o eSports no formato padrão de uma confederação de futebol ou vôlei, por exemplo", avalia Danielle Maiolini. advogada especialista em direito esportivo.

"No futebol ninguém é o dono da bola. Se você pega uma bola hoje todo mundo pode jogar. Nos eSports, o dono do jogo é a [empresa] publisher. É a dona do jogo. Existe um dono do jogo, dos direitos de imagem de transmissão. É uma nova modalidade", defende Nicolle "Cherrygumms" Merhy, ex-jogadora profissional e,atualmente, diretora-executiva da Black Dragons. Ela teme que a padronização reduza investimentos.

Na União Europeia, a maioria dos países já classifica os esportes eletrônicos em uma categoria diferente. Num movimento contrário, a Rússia encaixou a modalidade na sua lei geral de esportes, o que tem provocado uma série de problemas em relação à propriedade intelectual.

"Os eSports são baseados em direitos de propriedade intelectual. Quem cria o jogo tem o direito. É a forma de desenvolver e inovar. Não precisa de uma federação. Para que pensar em inserir no contexto de sistema nacional de esporte que todo mundo sabe que tem seus problemas?", questionou Mario Marconino, da Entertainment Software Association (ESA), organização que representa de 40 das maiores empresas de videogames do mundo.

Nicholas Bocchi, advogado especialista em direito esportivo, ex-atleta e ex-treinador, concorda que a legislação esportiva não é a ideal para o eSport, "mas, com certeza, é mais vantajosa para o mercado do esporte eletrônico do que as leis gerais que se aplicariam no seu lugar. Como uma 'regra transitória', a legislação esportiva é bem-vinda. Porém, é necessário pensar em uma regulamentação específica para o desporto eletrônico".

Outro ponto de divergência faz referência aos jogos de tiro. Quando passou a primeira vez pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte, o projeto foi aprovado com a exclusão dos games considerados violentos. "Esporte e violência são coisas distintas e o mesmo raciocínio se aplica aos jogos de conteúdo sexual, preconceituoso, discriminatório ou que faça apologia às drogas".

Sobre este tema, Leo de Biase, diretor-executivo da empresa BBL e-SPORTS, ponderou que já existe classificação indicativa dos jogos e as competições esportivas destes games não incluem menores de 18 anos. "Esportes eletrônicos como Counter Strike são praticados por maiores de idade. Crianças não são o nosso público".

"Nós abrirmos a Casa para o diálogo, queremos dialogar com todos os players. Entendo que a gente tem uma preocupação legítima (em relação à violência), mas hoje entendemos a importância do mercado", informa Leila Barros.

A senadora está coordenando o trâmite do PLS 383/2017. "Além da audiência desta quinta-feira, solicitei à Secretaria Geral da Mesa que o projeto seja analisado na Comissão de Assuntos Econômicos. É uma medida para construir uma proposta que não prejudique os clubes de eSports, os jogadores profissionais e os desenvolvedores de games, que são os 'donos da bola'", completou.

Para a nova rodada de debates sobre o projeto, foram convidados:

  • Leandro Takahashi, presidente da Confederação Brasileira de eSports – CbeS;
  • Daniel Cossi, presidente da Confederação Brasileira de Desporto Eletrônico – CBDEL;
  • Roberto Moraes Tavares, da Confederação Brasileira de Games e e-Sports – CBGE;
  • Bruno Gabriel de Mesquita, diretor de Assuntos Governamentais e Institucionais da Confederação Brasileira de Esportes Eletrônicos – CBEE;
  • Rafael Azevedo, assessor da Secretaria Nacional de Esporte de Alto Rendimento;
  • Alessandra Dutra, psicóloga da Red Canids e preparadora mental do Comitê Olímpico Brasileiro;
  • Fábio Gomes de Matos, médico psiquiatra;
  • Josianne Martins de Oliveira, médica psiquiatra.

Por Ivana Negrão

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Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.