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Lei em Campo

Mais importante do que mudar Estatuto do Torcedor é acabar com impunidade

Andrei Kampff

28/11/2019 16h40

Está valendo. O Diário Oficial da União publicou na última terça feira, dia 26, uma lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro que modifica o Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003), tornando mais rígidas as punições a torcedores violentos. O Lei em Campo já publicou análises sobre o tema desde o início da tramitação no Senado.

Segundo a nova legislação, "a torcida organizada que, em evento esportivo, promover tumulto, praticar ou incitar a violência ou invadir local restrito aos competidores, árbitros, fiscais, dirigentes, organizadores ou jornalistas será impedida, assim como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até 5 anos". Antes a punição tinha a duração de 3 anos.

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É simples: mais importante do que mudar Estatuto do Torcedor que pune torcidas que violam o que a lei diz é fazer cumprir o que já está tipificado.

O futebol não é um mundo paralelo, por mais que pareça. A falta de eficácia no cumprimento da lei, o sentimento de impunidade, alimentam esse clima de insegurança no futebol. O problema não é a falta de lei.

Reforço que acho importante essas alterações no Estatuto do Torcedor. Atos praticados por membros de organizadas fora das arenas esportivas também serão punidos. E o banimento será por um tempo maior para aqueles que violarem as regras.

Agora,  mais importante do que o tamanho da pena, é se ter a certeza da punição aos criminosos.

Em 2019, diversas brigas entre torcidas organizados foram registradas por todo o país. O caso mais recente aconteceu no último domingo, 27, quando São Paulo e Atlético-MG se enfrentaram na capital paulista pelo Campeonato Brasileiro. Vídeos que circularam na internet mostraram torcedores com roupas da "Independente Tricolor" e armados com pedaços de pau e barras de ferro, gritando que "haveria sangue". O episódio aconteceu na Praça da República, distante 12 quilômetros do Morumbi, onde ocorreu o jogo, mas na rota do metrô que leva ao estádio.  

O objetivo tem que ser a pacificação do futebol. E essa é a opinião de Vinícius Loureiro, advogado especializado em direito esportivo e colunista. do Lei em Campo.

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Punição às organizadas – uma lição da Justiça Desportiva

 

Na última terça-feira, 26 de novembro de 2019, foi alterado o Estatuto do Torcedor como forma de tentar combater a violência entre as torcidas organizadas fora das praças esportivas. Além de ampliar o afastamento dos estádios previsto anteriormente de três para cinco anos, foi incluída no Estatuto do Torcedor a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica por atos das pessoas físicas.

Essa é a mais importante alteração legislativa dos últimos anos no tocante ao combate à violência entre torcidas. E tem como base positiva experiência anterior, a aplicação do artigo 213 do CBJD, punindo clubes por atitudes de seus torcedores.

Combater individualmente as ações dos torcedores se mostrou ineficaz ao longo do tempo. Disciplinarmente, a imposição do artigo 213 teve efeito significativamente positivo sobre o número de ocorrências dentro das praças esportivas. A possibilidade de punição ao clube fez com que este tomasse medidas mais eficientes para prevenir e reprimir casos de desordem e violência nas praças esportivas. Mais que isso, a própria torcida assumiu papel de grande relevância no combate a atitudes indesejadas, identificando e apontando os responsáveis pelas infrações, como forma de evitar punição aos clubes.

Aplicar uma pena à coletividade quando não é identificado o indivíduo responsável por ato ou fato danoso não é exclusividade do Direito Desportivo. Empresas são objetivamente responsáveis pelos atos de seus funcionários, independente de qualquer prova de culpa, ainda que exista a possibilidade de regresso em face do empregado.

O racional é o mesmo que se busca aplicar às torcidas organizadas. Como não cabe aos clubes o controle das ocorrências fora das praças esportivas (muitas vezes, inclusive, em outras cidades), caberá às torcidas organizadas, enquanto pessoas jurídicas, o controle de seus integrantes nessas situações. Recairá objetivamente sobre elas a responsabilidade de indenizar eventuais danos causados, de forma solidária com os causadores do dano. Isso garantirá maior vigilância das torcidas organizadas sobre seus membros, auxiliando o combate à violência e à desordem.

Já a pena de vedação de comparecimento aos jogos, em princípio, dependerá da gravidade da ocorrência e, especialmente, da identificação ou não, por parte da torcida, dos indivíduos responsáveis pelas ocorrências. Caso a própria torcida identifique os responsáveis e os apresente às autoridades competentes, entendo que o afastamento das partidas deve se tornar inaplicável, como forma de incentivar a cooperação da entidade privada com o poder público. Isso, no entanto, não deve afetar a responsabilidade civil da torcida pelos danos causados.

Tal incentivo iria no mesmo sentido do parágrafo 3º do artigo 213 do CBJD, e faria com que a coletividade se tornasse fiscal das atitudes de cada indivíduo, como forma de proteger os direitos e interesses coletivos. Mais que uma norma punitiva, o objetivo da norma no presente caso deve ser solucionar o problema. E a participação de todos os interessados certamente é fundamental para o sucesso das novas medidas possíveis a partir da alteração do Estatuto do Torcedor.

Resta agora observar como o Poder Público utilizará a previsão legal em busca de seu objetivo de pacificação de todo o cenário esportivo.

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.