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Lei em Campo

PL de clube-empresa resgata práticas que não melhoram gestão do futebol

Andrei Kampff

29/11/2019 18h00

Já comentamos aqui que a Câmara aprovou Projeto de Lei de relatoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que estimula clubes a mudarem a natureza jurídica, se transformando em empresa. O Projeto teve o apoio decisivo do Presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Mais um vez, políticos tomam uma decisão sem o debate necessário, e prestam um desserviço para o futebol.

O Projeto traz um verniz de modernidade, mas na verdade mais parece ressuscitar velhas práticas que nunca contribuíram para alimentar políticas de boa governança e transparência na gestão esportiva. E mais, gera profunda insegurança jurídica para os clubes.

Crédito, perdão de dívidas, compromissos vagos com responsabilidade e transparência. Tudo para salvar clubes que repetidamente esquecem as boas práticas de gestão.

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1E isso acontece principalmente pela falta de debate. O projeto sequer passou pela análise de uma comissão, como é o costume da casa, Isso porque foi aprovado em regime de "urgência urgentíssima". Que urgência é essa? Por que justamente esse PL?

O esporte precisa ser tratado de maneira sistêmica, e qualquer transformação passa necessariamente pelo exaustivo debate com o movimento esportivo. Sem ele, teremos sempre transformações paliativas que não ajudarão a mudar velhas – e condenáveis – práticas da nossa gestão.

Leia o que pensa Luiz Marcondes, presidente do Instituto Iberoamericano de Direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

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"Botafogo" no projeto de lei

"Mas por que todo mundo está chorando? Não ganhamos o jogo?"1

A Câmara dos Deputados "matou no peito" e aprovou na última quarta-feira o projeto para clube virar empresa no Brasil. A votação na Câmara aconteceu depois da aprovação da urgência votada na semana anterior. Agora a bola está com o Senado e, se passar, ainda precisará ser "defendida" pelo presidente Jair Bolsonaro.

Ainda que haja muitos pontos polêmicos no projeto, como a concessão de benefícios fiscais para os clubes que resolverem aderir ao novo modelo de gestão, como os benefícios para quitar os débitos com o governo, com a redução de multa, juros e encargos legais sobre as dívidas, dentre outros, o que chama mais a atenção é o movimento político feito em prol de alguns clubes especificamente, como o Botafogo do Rio de Janeiro.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, fez abertamente um grande lobby para o projeto sair a toque de caixa, mas não estava sozinho. Outros políticos entoaram o canto, inclusive o canto para o "time sair jogando" em velocidade. Mas a pergunta que fica é o motivo real disto. Qual o sentido de "jogar" uma questão estrutural do futebol brasileiro de forma atabalhoada?

O Botafogo possui plano para se tornar empresas e engrossou o coro da torcida pela aprovação da proposta, por já ter investidores interessados em aportar dinheiro para sanar dívidas e investir no futebol. O clube da estrela solitária tem um passivo, atualmente, que supera a casa dos R$ 750 milhões, e sua receita líquida é cerca de R$ 182 milhões anuais (2018) apenas, enquanto Palmeiras e Flamengo têm receitas que superam os R$ 600 milhões por ano.

Em 2018, o Botafogo também foi o clube que deteve a maior dívida tributária, sendo cerca de R$ 332.762 milhões. Por isso os botafoguenses pressionaram os políticos. O presidente do clube na época do último título brasileiro, em 1995, Carlos Montenegro, avalia:

– O Botafogo não aguenta 2020 no mesmo formato que 2019. É uma realidade que vai mudar a partir do Campeonato Brasileiro. Se já vai mudar com fundos ou empresas fortes totalmente no modelo que queremos, eu não sei. Mas que vai mudar em relação ao que foi nesse ano, isso eu garanto.

Entretanto, o projeto desagrada muitos clubes e muitos outros partícipes do universo futebolístico. A principal reclamação é a falta de oportunidade para debater temas importantes relativos ao futuro da modalidade no país.

Quantos clubes serão realmente beneficiados com o projeto ao redor do Brasil? As normas dispostas agasalham os clubes médios do país ou são para exceções?

Observamos que este projeto aparenta ser mais um daqueles projetos direcionados do nosso país, que não trabalha com a realidade das maiorias, com a realidade da regra, mas sim com a necessidade da exceção, e que por essa razão, tende a ser mais uma estrela solitária. Mas o "jogo" ainda não está perdido e a ginga do Mané pode driblar as adversidades.

E então o que fazer com o projeto no Senado?

"Botafogo"!

 

"A bola veio para a esquerda e eu não chuto bem de esquerda, mas não dava pra trocar de pé. Então chutei de esquerda fazendo de conta que era de direita."2

1 e 2 – Garrincha

 

 

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.