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Lei em Campo

A manipulação de resultados é um inimigo histórico do esporte. Como evitar?

Andrei Kampff

28/01/2020 12h00

Foi notícia de destaque aqui no UOL o banimento do brasileiro João Souza, o Feijão, do tênis profissional. A expulsão do ex-número 1 do tênis brasileiro foi anunciada pela Unidade de Integridade do Tênis (TIU, na sigla em inglês), o órgão anticorrupção da modalidade. O brasileiro foi considerado culpado em casos de manipulação de resultado em torneios das séries Challenger e Future no Brasil. 

A manipulação de resultados é um dos maiores inimigos do esporte. E é fácil entender por quê.

Esporte vive da incerteza 

A graça do esporte está na incerteza do resultado. Se todos soubessem de véspera qual seria o placar de um jogo, o esporte perderia força, e a paixão encolheria. Por isso vários dos princípios do direito esportivo visam garantir essa imprevisibilidade, como a integridade esportiva, o jogo limpo, e a paridade de armas, que é dar condições iguais aos competidores.

Daí porque é fundamental, entre outras coisas, combater a manipulação de resultado.

Normalmente essa fraude ocorre por interesse financeiro, mas ela também agride a natureza do esporte. E não é um problema recente no esporte, é histórico.

O "CBJD" de 1942 já trazia punições contra a manipulação de resultados

O professor Wladimyr Camargos lembrou em coluna no Lei em Campo que a resolução do Conselho Nacional de Desportos (CND), de 4/11/1942, que traz a primeira Lei Geral do Esporte, dispunha acerca de um tema bastante caro nos dias de hoje: a manipulação de resultados de partidas e competições.

O texto original assim regia o assunto:

33

  1. d) será motivo de eliminação do atleta a participação ou cumplicidade em tentativa de suborno, destinado a causar, promover ou facilitar a derrota de um quadro, bem come o fato de ter conhecimento da tentativa e não denunciá-la imediatamente
  1. Estará sujeito a grave punição aquele que, direta ou indiretamente, induzir ou tentar induzir o atleta a proceder, em campo, de maneira desvantajosa para o quadro a que pertence, ou a algum árbitro ou linesman, com o Propósito de persuadi-lo ao desempenho da função, por forma que assegure ou facilite a vitória de uma determinada associação. Apurada a infração, o responsável ficará inhabilitado [sic] para ocupar cargo ou função em entidade desportiva e para ser sócio, atleta, dirigente, treinador, massagista ou empregado a serviço dos desportos. Se do fato ou fatos compreendidos neste item resultar a responsabilidade de alguma entidade desportiva, será esta suspensa e, no caso de reincidência, ser-lhe-á cassada pelo C. N. D. o direito de funcionamento.

Ou seja, os dispositivos transcritos visavam proteger o esporte de alto rendimento contra atitudes que atuavam contra a igualdade do esporte.  Mesmo lá em 1942, quando o Direito Esportivo começava a ser entendido e aplicado no Brasil, já se via a necessidade de proteger a integridade do esporte.
E ainda hoje, o esporte no Brasil e no mundo se vê ameaçado.

O tênis, o futebol…

Além do expulsão do tênis profissional por manipulação de resultados, Feijão também foi multado em US$ 200 mil.

Segundo a Associação Internacional de Integridade nas Apostas, a manipulação de resultados envolve uma indústria de criminosos em vários esportes. Só em em 2019 houve 37 casos. O tênis liderou as denúncias, com 17 casos suspeitos.

Para combater a manipulação, o tênis investiu em Integridade.

Responsável por investigar manipulações de resultados, a TIU é um órgão anticorrupção que supervisiona o tênis profissional. A organização, que foi criada em 2008 por iniciativa da ITF, ATP, WTA e dos quatro torneios do Grand Slam (Australian Open, French Open, Wimbledon e US Open), tem a política de tolerância zero para a corrupção relacionada às apostas.

Com operação independente, e com sede em Londres, a TIU é financiada pelas organizações responsáveis por sua criação. Além de combater a corrupção, ela investiga e repreende infratores.

No futebol os casos também são frequentes. A Federação Paulista de Futebol inclusive contratou uma empresa que trabalha no monitoramento, prevenção, e combate a esse tipo de crime. Dentro desse trabalho existe, por exemplo, um programa que dispara um alerta toda vez que o resultado de uma partida foge ao padrão.

O futebol foi vítima de um escândalo que mudou a história do Brasileiro de 2005, e ganhou o nome de "Máfia do Apito".

O Brasileiro que o crime mudou 

Foi o maior golpe descoberto contra a credibilidade já sofrido pelo futebol brasileiro. Árbitros receberam dinheiro para manipular resultados do Brasileirão de 2005, ajudando criminosos a lucrarem em apostas milionárias. A figura central do escândalo, o árbitro Edílson Pereira de Carvalho, um dos principais do país e que utilizava escudo da Fifa na época.

O esquema foi revelado pelo jornalista André Rizek, em reportagem da revista "Veja". No dia seguinte, Edílson foi preso, junto com o empresário Nagib Fayad, o "Gibão", apontado como mentor da Máfia do Apito.

De acordo com as investigações, os 11 jogos apitados por Edilson no campeonato foram manipulados, e por decisão da Justiça Desportiva acabaram sendo anulados, e disputados novamente.

O escândalo alterou a classificação do torneio, que teve o Corinthians como campeão, três pontos à frente do Internacional – se os placares originais tivessem sido mantidos, os gaúchos teriam vencido o Brasileiro com um ponto a mais do que os paulistas.

Edílson foi banido do futebol, e se tornou réu em ação penal, assim como Fayad e outros quatro participantes da máfia.

O processo criminal não foi adiante, uma vez que o Tribunal de Justiça de São Paulo avaliou que não foi cometido crime – as fraudes esportivas só foram tipificadas cinco anos depois do esquema denunciado, em 2010, com a inclusão de um artigo no Estatuto do Torcedor.

O esporte não estava preparado para combater esse problema.

Importância da autorregulação do esporte

2020 promete ser o ano da autorregulação do esporte brasileiro. OP Fair Play Financeiro da CBF deve – enfim – sair do papel. E iniciativas como  "Rating Integra", proveniente do Pacto pelo Esporte, já mostraram como compromissos com Integridade atraem marcas dispostas a apoiar o desporto. 

As entidades esportivas precisam entender que seus regulamentos não podem mais ser omissos em questões caras ao esporte. No caso da manipulação, essa autorregulação precisa proibir que jogadores, treinadores e árbitros sejam apostadores. Além d isso, o trabalho de monitoramento, com o auxilio da ciência e tecnologia se tornam vitais para combater essas quadrilhas cada vez mais sofisticadas. 

Claro que o Estado precisa atuar também no combate a corrupção e manipulação de resultados. Uma lei que tipifique corrupção privada no esporte como crime já seria um avanço gigantesco (olha o PL 68/17 que está no Senado).

Mas, em função da necessária autonomia que tem, o esporte também precisa investir nessa autorregulação.

Assim como o tênis, o futebol, o vôlei, o basquete… precisam se proteger da manipulação de resultados, garantindo algo que é a essência de todo e qualquer esporte: uma disputa limpa, e igual.

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Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.