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Lei em Campo

A arbitragem está em alta no esporte. Não é a que você está pensando

Andrei Kampff

07/04/2019 04h00

A arbitragem está em alta!

Infelizmente, a frase não cabe também para nossos árbitros de futebol, esquecidos por uma legislação esportiva preconceituosa, que se esqueceu de tratar desses personagens do futebol como determina a própria lei dos árbitros, como profissional.

A arbitragem a que me refiro é aquela usada na resolução de conflitos. No Brasil ela cresceu treze vezes em 2018. Praticamente em todos os estados brasileiros, as seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil têm uma comissão de arbitragem, com profissionais qualificados para conduzir  o entendimento entre as partes.

E o que isso tem a ver com o esporte? Tudo. Algumas confederações já usam a mediação como alternativa para solução de conflitos. A CBF, desde 2017.  No fim do ano passado, uma portaria da CBB definiu essa alternativa para mediar conflitos no basquete brasileiro.

A Justiça sempre pede urgência. No esporte, sob risco de parar campeonatos, prejudicar carreiras, a celeridade é um princípio fundamental. A Justiça esportiva pede celeridade, mas também conhecimento de quem trabalha com ela.

E a arbitragem pode ajudar nisso.

Para entender melhor, vale ler o texto do professor Alexandre Miguel Mestre, um dos grandes nomes no mundo do direito esportivo e colunista do Lei em Campo.

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Trago, hoje, caro leitor, como tema, a "mediação desportiva", um mecanismo alternativo de resolução de litígios em sede de desporto a acrescer à arbitragem: aqui o mediador (de conflitos), terceiro imparcial e neutro, não tem poder de decisão nem apresenta uma solução imposta às partes – a solução será sempre aceita por elas, que são quem toma a decisão, para a qual trabalham (sendo até por isso mais elevada a probabilidade de mais facilmente a acatarem).

Para que a "mediação desportiva" não fique acantonada, importa conhecê-la, divulgá-la, utilizá-la, maximizar suas virtudes, aproveitar as vantagens que ela encerra em prol de uma "justiça desportiva" célere, especializada, eficaz. Assim, e porque intra e extra muros se tem falado e escrito pouco sobre o assunto, fica aqui, caro leitor, uma breve sistematização das principais vantagens que, na doutrina, vamos, vários autores, imputando à "mediação desportiva".

1. As características e dinâmicas específicas do desporto: tendo presentes as características e dinâmicas específicas do desporto, designadamente prazos muito apertados, torna-se vital uma autorregulação preventiva em que as partes assegurem de forma célere uma resolução amigável, necessária e proporcionada à especificidade desportiva.

2. O clima amigável de mediação, na esteira do fair play desportivo: a natureza de colaboração, de consenso, de cooperação e de clima amigável da mediação encoraja a criação de um contexto favorável ao fair play e ao espírito de entendimento.

3. A "especificidade do desporto" – concorrência e cooperação simultâneas, propícias ao entendimento: ao contrário de outros setores, no desporto os adversários nas disputas desportivas são aliados na concepção e maximização da competição enquanto produto, razão pela qual procuram entendimentos no sentido de preservar e rentabilizar a competição, o que atingem por via da negociação, de entendimentos. Ora, essa cultura de cooperação, de solidariedade, é benéfica, porque coincidente e facilmente transponível para o contexto da mediação.

4. O desporto como um "mundo pequeno", de "contínuas relações de negócio" e inerentes vantagens da confidencialidade da mediação: as "particularidades do setor do deporto", designadamente o fato de os atletas terem carreiras curtas – as chamadas profissões de desgaste rápido –, em concatenação com o fato de tais agentes desportivos e os demais viverem num "mundo pequeno" de "contínuas relações de negócio", motiva que seja preferível a resolução dos litígios dentro da "família do desporto", com a máxima confidencialidade, em abono da manutenção das relações pessoais, comerciais e desportivas.

5. O desporto como um mundo de relações afetivas, quase paternais/fraternais, que "exige" relações pessoais permanentes e duradouras: tal como na mediação familiar, no desporto estabelecem-se relações de tal forma pessoais e especiais (quantos atletas não apelidam os treinadores ou empresários de pais…) que quase tão importante quanto a solução do problema é a manutenção/restabelecimento das relações entre as partes, estando estas como que "condenadas a entender-se" duradouramente.

6. A mediação baseada em emoções, sentimentos e interesses, mais do que na solução jurídica propriamente dita: a mediação pode assentar-se em argumentos de índole não jurídica que podem ser úteis no contexto do fenômeno desportivo, isto é, o fato de a mediação tentar conciliar interesses, e não direitos, coloca a pacificação do conflito como prioridade em relação à solução jurídica concreta propriamente dita.

7. A mediação como forma de mitigar a "desigualdade de armas" entre empregadores e trabalhadores e entre prestadores e prestatários de serviços: a mediação desportiva tem também a vantagem de mitigar a "desigualdade de armas" que existe; de fato, quando as partes se reúnem para dirimir um conflito no âmbito da mediação, propicia-se um equilíbrio de poderes que possibilita que negociem num plano de igualdade, eliminando o poder de um sobre o outro.

8. O carácter menos oneroso da mediação desportiva: comparadas as taxas e os encargos do processo no âmbito da arbitragem no TAD com os custos da mediação desportiva, estes são, de fato, menores, vantagem nada despicienda tendo presente que aqueles são elevados.

9. A mediação como solução ideal para "situações confusas" no desporto: na esteira de Oman Ongaro, da FIFA, considero que a mediação é indicada para "situações confusas" (i) em que o resultado do procedimento é totalmente aberto e incerto; (ii) em que a complexidade da matéria sugere procedimentos longos e intrincados; (iii) em que existe também a possibilidade de existência de barreiras "políticas" (assumidas pelo menos por uma das partes). Daí que me pareçam transponíveis para o TAD os cenários que, para a FIFA, "reclamam" o recurso à mediação, a saber: (i) quando possíveis mal-entendidos que possam existir careçam de ser esclarecidos; (ii) quando se pretende evitar que as partes "percam a face"; (iii) quando a mediação surge como uma forma possível de aferir/avaliar/antecipar o resultado (de uma eventual futura arbitragem) – não existindo a necessidade de aceitar a "proposta" do mediador, a mediação é vantajosa porque é um indicador a ter em conta face ao que se pode antever para cada parte no litígio em presença.

 

Por Alexandre Mestre

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.