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Lei em Campo

Futebol adora polêmica: regra permite interpretação também no impedimento

Andrei Kampff

15/04/2019 04h50

É impressionante a campanha armada para tentar desmoralizar o Árbitro Assistente de Vídeo, o já popular VAR.

O futebol adora ir na contramão da vida.

Todos que gritam contra um recurso que chegou para diminuir os erros no futebol, para deixar o resultado mais dentro das regras, adoram e aproveitam as benesses da tecnologia.

O futebol é mesmo um mundo paralelo. A tecnologia me serve, desde que não atrapalhe meu jogo.

Dois dos argumentos mais usados nesse ataque: o tempo de avaliação (precisa diminuir, e irá) e que o VAR vai acabar com a polêmica, e ela faz parte do jogo.

Esqueça esse segundo. No futebol, a interpretação é permitida pela regra do jogo. Portanto, a discussão será sempre permanente. E mais. A interpretação não cabe apenas em lance de falta, ela vale também para impedimento. Isso mesmo.

Se árbitro entender que defensor quis participar do lance, defensor deu condição para atacante.

Isso ajuda a entender a polêmica no clássico do Rio de Janeiro. E, melhor, ajuda a explicar o que aconteceu.

A especialista Renata Ruel, árbitra e colaboradora do Lei em Campo, vai analisar essa história bem direitinho.


 

Vasco X Flamengo – só em falta cabe interpretação? Não. No impedimento também tem ocorrido

Foi falta ou não? Pênalti? Será? Tanto se discutem as interpretações em lances faltosos ou não, mas pouco se fala das interpretações nas questões de impedimento.

Como cabe interpretação no impedimento, não é só traçar uma linha e ver se o atacante está à frente do penúltimo ou dois últimos defensores ou da linha da bola? Ainda mais com o VAR, fica fácil traçar a linha, correto? Onde cabe interpretação no impedimento então?

Na final do carioca, o Flamengo teve um gol anulado pelo VAR por impedimento e outro validado, porém, ambos por interpretações de ação deliberada e defesa deliberada.

A regra diz: "Um jogador em posição de impedimento que receber a bola jogada deliberadamente por um adversário (exceto quando se tratar de uma defesa deliberada) não deve ser punido (não ganha vantagem). Uma 'defesa deliberada' se caracteriza quando um jogador deliberadamente joga ou tenta jogar a bola que vai em direção ou que está muito próxima de sua meta, com qualquer parte do corpo, exceto com as mãos, a menos que seja o goleiro em sua própria área de pênalti".

Ação deliberada é quando um jogador propositalmente joga a bola, e na defesa deliberada também ocorre a intenção, porém, a ação ocorre para impedir que a bola entre em sua meta.

No primeiro gol do Flamengo, Bruno Henrique, no momento do chute de seu companheiro, se encontrava em posição de impedimento; porém, o defensor do Vasco comete uma ação deliberada ao tentar tirar a bola da área, e dessa forma habilita o atacante a jogar.

 

A bola não estava em direção ao gol

Então, em nenhum momento o defensor poderá agir de forma deliberada, pois irá habilitar um atacante em posição de impedimento?

Segundo a regra, o atleta poderá jogar deliberadamente se for praticando uma defesa, em que não somente o goleiro, mas também qualquer jogador, pode salvar um gol. Um jogador pode salvar um gol com os pés, cabeça ou qualquer parte do corpo (menos braços e mãos).

No gol anulado do Bruno Henrique, o árbitro utilizou a tecnologia do VAR para analisar o lance e provavelmente concluiu que o defensor realizou uma defesa involuntária. Dessa forma, o gol deveria ser invalidado. Porém, há quem possa dizer que a bola não iria em direção ao gol, e simplesmente a ação foi proposital. O gol deveria ser válido, assim como o primeiro do Flamengo.

Ação deliberada

Posicionamento do defensor no momento do toque na bola pelo atacante

Posicionamento do defensor diferente do momento do toque na bola pelo atacante. Nota-se que o defensor vai jogar a bola; ele sai do seu posicionamento inicial

Direção da bola

Possível direção da bola

 

Em enquete realizada no Canal Apitoresco sobre impedimento, observa-se como as opiniões se dividem, alguns acreditam que seria impedimento e outros uma ação deliberada. Isso ratifica como a interpretação existe também em relação aos lances de impedimento.

 

Ainda há outras situações em que a regra deixa margens para interpretações: desvio ou rebote ou ação deliberada; se causa impacto ou não no adversário; se bloqueia o campo visual do adversário ou não; entre outras ações.

Pode-se dizer que, em uma ação deliberada, o jogador busca a bola. Já no desvio isso não acontece, e o tempo de reação é pequeno. Uma pergunta a ser feita para diferenciar as ações: o jogador vai em direção à bola ou a bola vai em direção ao jogador sem que este tenha tempo "hábil" para jogar – e que sua velocidade de reação seja mínima?

Na semifinal FLA x FLU, um gol foi anulado por falta, mas houve análise de impedimento também no lance. Um comentarista de TV analisou como ação deliberada do zagueiro que habilitaria o atacante que estava em posição de impedimento, porém, outros entenderam como um desvio – e consequente existência de infração.

Ou seja, ainda haverá "briga" mesmo com o VAR e a imagem clara enquanto ocorrerem as interpretações não só em faltas, mas também nos impedimentos.

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.