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Lei em Campo

CBF obrigou e grandes clubes passaram a investir em futebol feminino

Andrei Kampff

27/04/2019 04h00

Os grandes clubes decidiram investir no futebol feminino!

Não, claro que não.

Eles foram obrigados a investir.

A verdade é que em 2016 a FIFA lançou uma grande ação global de valorização do futebol feminino. Essa ação ganhou força a partir deste ano, quando vai ser disputado mais um mundial da modalidade.

A ideia da entidade é ter 60 milhões de mulheres praticando o esporte até 2026.

Antes de entrar na questão jurídica, um resumo histórico.

Mulheres jogando bola precisaram sempre driblar preconceitos, e também leis.

Isso mesmo. O futebol chegou a ser proibido para mulheres no Brasil no início do século passado.

O Decreto-Lei 3.199, de 1941, que criou o Conselho Nacional de Desportes, no artigo 41 dizia:

"às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país".

Vai piorar.

Em 1965 o regime militar tornou a proibição expressa no CND:

Deliberação nº 7:

"Não é permitida a prática feminina de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo, halterofilismo e beisebol".  As mulheres no futebol estavam ainda mais relegadas à ilegalidade".

Mesmo assim, as mulheres enfrentavam a lei em ligas clandestinas.

Com o enfraquecimento do regime militar e o aumento das liberdades individuais, essa determinação foi derrubada. Em 1979 surgiram as primeiras ligas não clandestinas. Mesmo assim, quarenta anos depois, a realidade é difícil.

A maioria das atletas nem sequer tem carteira de trabalho assinada.

Então…

A FIFA determinou no estatuto que o futebol feminino passa a ser prioridade. A Conmebol entrou no espírito e criou regra que obriga clubes que jogam competição organizada por ela a terem times de mulheres. A CBF entrou nessa também.

A regra é: quem não tiver não participa de competições organizadas pela CBF.

Dos 20 times da séria A do Brasileirão masculino, apenas o Fortaleza ainda não tem time feminino.

O Thiago Braga conversou com especialistas e vai ajudar a explicar essa história.


 

Quando São Paulo e Botafogo entrarem em campo neste sábado, no Morumbi, muitos torcedores estarão comemorando a estreia das duas equipes no Campeonato Brasileiro. Mas só os desavisados. Tanto São Paulo quanto Botafogo já estrearam no Brasileirão nesta temporada. Os dois clubes estão jogando desde o fim de março o Campeonato Brasileiro Feminino da Série B. Estão inclusive  no mesmo grupo, o 6. Na última rodada, em Cotia, o tricolor atropelou o rival, fazendo 7 x 0.

A partir deste ano, todos os 20 clubes da Série A do Brasileiro tiveram de se enquadrar no Licenciamento de Clubes da Confederação Brasileira de Futebol. E quem não estiver em dia com o licenciamento nem sequer pode participar dos torneios organizados pela CBF.

Uma das obrigações do Manual é que os clubes precisariam manter um time de futebol feminino que dispute um campeonato nacional ou estadual.

A norma não é só da CBF. A Conmebol já havia exigido que quem não mantivesse um time feminino seria proibido de disputar a Libertadores e a Copa Sul-Americana já nesta temporada. Isso se baseia no artigo 23 do estatuto da Fifa. Ele cobra das confederações a adoção de medidas de governança que incluem a incorporação de artigos que preveem a igualdade de gênero.

"Acho extremamente salutar que as entidades esportivas adotem essa iniciativa.  As regras são parte do licenciamento para participar das competições da CBF e da Conmebol, e se mostram muito interessantes como meio de fomento do futebol feminino. O sistema de licenciamento, aliás, segue o exemplo há muito adotado de forma pioneira pela UEFA em suas competições de clubes. Vale dizer, também, que as obrigações impostas pelo sistema de licenciamento não consistem em qualquer ilegalidade; trata-se do próprio sistema esportivo se regulando, no pleno exercício da autonomia das entidades esportivas, garantido inclusive pela Constituição Federal. Especificamente quanto ao futebol feminino – que, infelizmente, foi historicamente negligenciado –, essa ação por parte das entidades de administração do futebol pode ser muito benéfica, ampliando os investimentos na modalidade. Evidentemente, não há como prever em que proporção se darão tais investimentos, mas essa medida me parece ser um importante primeiro passo", acredita o especialista em Direito Esportivo Pedro Henrique Mendonça.

Dos 20 clubes da Série A, apenas o Fortaleza ainda não montou o seu time. "O Fortaleza ainda está estruturando a equipe. Acreditamos que em maio já teremos detalhes sobre atletas, comissão técnica, enfim. O time disputará o Campeonato Cearense", explicou a assessoria de imprensa do Fortaleza. Todos os outros 19 times já formaram equipe própria ou firmaram parceria com algum clube que já tenha um time em atividade.

"Quanto ao não licenciamento do clube que não tenha equipe de futebol de mulheres, tenho as minhas dúvidas se a CBF terá pulso para fazer cumprir. Ainda mais depois dos episódios recentes de clubes do Nordeste que colocaram em xeque esta obrigatoriedade", afirmou o advogado e especialista em Direito Esportivo Igor Serrano.

Mas a obrigatoriedade de que os clubes que disputam o Campeonato Brasileiro da Série A tenham uma equipe formada por mulheres encontra resistência, justamente para poder valorizar ainda mais o torneio disputado pelas mulheres.

"Não resolve o problema. Se o clube não consegue atender as exigências, e é 'rebaixado', aí que ele não consegue mesmo atender. Porque ele perde receita, perde atratividade, os recursos têm relação direta com a atratividade, exposição de marca e tudo mais. Com relação ao futebol feminino, acredito que seja um erro. Trazer o futebol feminino quase a reboque do futebol masculino, não acho que é a melhor forma de valorizar o produto. Sei que não há uma solução propriamente dita, mas existem alguns caminhos. Nos principais campeonatos que têm dado certo, não é forçando uma equipe que tenha destaque no masculino que vai ter sucesso", afirma Luiz Marcondes, presidente do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo, citando a liga americana e alguns campeonatos europeus como exemplo.

Por Thiago Braga

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.