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Lei em Campo

Começou o Brasileirão e a bebida está liberada nos estádios. Depende

Andrei Kampff

28/04/2019 07h00

Taí uma discussão ainda longe do fim: bebida alcoólica em estádios de futebol.

A associação do álcool com a violência fez com que no Brasil vários estados proibissem a venda de bebidas alcoólicas em locais de eventos esportivos.

O Estatuto do Torcedor, de validade nacional, impõe como condição de acesso e permanência nos estádios "não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência", o que inclui bebidas com teor alcoólico. Para muitos do direito, é proibido entrar com bebidas, mas não o consumo dentro do estádio. 

Então, por que em vários lugares não se vende cerveja? Porque existe uma lei estadual ou municipal que proíbe de maneira mais clara.

Daí surge outra pergunta. Por que, então, na Copa podia-se consumir álcool nos estádios?

Simples, porque o Brasil acertou com a FIFA que, para ter a Copa por aqui, criaria uma lei específica, a Lei Geral da Copa. A legislação visava cumprir as garantias assumidas pelo governo brasileiro com a Federação Internacional de Futebol e valeu também para a Copa das Confederações, realizada em 2013.

Nessa Lei da Copa constou a permissão de consumo de bebida alcoólica em todas as arenas do mundial, até porque um dos principais patrocinadores do evento era uma empresa que vende cerveja.

Essa lei valeu somente até o final da Copa.

Portanto, hoje, é a legislação estadual ou municipal que tem determinado a questão. Em alguns lugares o consumo é permitido; em outros, não. Você precisa saber o que diz a lei no seu estado.

E na Europa? O professor Alexandre Mestre, advogado especializado em direito esportivo e colunista do Lei em Campo, explica.


 

Cerveja e cidra nos estádios portugueses?

Em 1980, ano da primeira legislação referente à violência associada ao desporto em Portugal, proibiu-se a introdução, venda e consumo de bebidas alcoólicas em recintos desportivos.

Em 1985 surgiu uma convenção, no âmbito do Conselho da Europa, que Portugal assinou e ratificou, sobre a violência e os excessos dos espetadores por ocasião das manifestações esportivas, nomeadamente os jogos de futebol. Com lógica semelhante: (i) proibição de introdução, pelos espectadores, de bebidas alcoólicas; (ii) restrição e, preferencialmente, proibição de venda e distribuição de bebidas alcoólicas nos estádios; (iii) expulsão de pessoas sob influência do álcool.

Em 1998 nova lei instituiu a medida preventiva de controle de alcoolemia pelas autoridades policiais a quem apresentasse indícios de estar sob a influência do álcool e, por ocasião da Euro 2004, em outra lei, o não estar sob a influência do álcool foi plasmado como condição de acesso a um recinto esportivo, fixando-se a obrigatoriedade de especificação, em regulamento, pelo promotor do evento esportivo, da proibição da venda de bebidas alcoólicas.

E eis que em 2009, em nova lei, foi permitida a criação de áreas, no interior do recinto esportivo, onde é permitido o consumo de bebidas alcoólicas, as "zonas" que, na versão vigente da lei de 2013, se consideram "destinadas à venda, consumo e distribuição de bebidas alcoólicas no interior do anel ou perímetro de segurança". O que explica que se beba álcool nos camarotes. Ademais, atualmente constitui contraordenação, punível com multa entre € 750 e € 10 mil, a introdução, venda e consumo de bebidas alcoólicas no anel ou perímetro de segurança.

Em 2016, Portugal assinou e ratificou uma nova convenção do Conselho da Europa, denunciando a anterior. Essa nova, focada mais no safety and security em manifestações esportivas, é omissa em relação ao álcool.

Constata-se, então, caro leitor, um percurso normativo convergente de dissociação entre esporte e álcool, em sintonia, diga-se, com o Código da Publicidade.

Assim, a proposta recentemente avançada pela Sporting, SAD e pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, de autorizar o consumo de cerveja e cidra nos estádios, surge de encontro à referida evolução normativa. Mas, pelo contrário, alinha-se com a UEFA, que, sem prejuízo de respeitar a lei nacional de cada Estado, permite, na Liga dos Campeões e na Liga Europa, a venda ou distribuição de álcool. Como encontra ainda exemplos comparados, no que respeita à cerveja, em países como Inglaterra (proibido na bancada, mas permitido nos corredores internos), Itália, Alemanha, Ucrânia, Bélgica, Holanda e Áustria (casos em que se pode mesmo beber no lugar). E não esqueçamos a legislação brasileira, quando do Mundial de 2014, evento patrocinado por cervejeira.

Temos, pois, soluções distintas, sem que se possa dizer que, proibindo o álcool, se afasta a violência, nem que, permitindo o álcool de baixo teor, se agrave a violência. Por isso penso que, pelo menos, deve haver espaço para refletir sobre o ora proposto. Até porque o atual sistema é paradoxal, não afastando o álcool dos estádios: comercializam-se, ao redor dos estádios, bebidas com pouco mas também com muito álcool; mostra-se difícil, nas revistas, a polícia ou os stewards detectarem em tempo útil quem está ou não alcoolizado. Para além da não despicienda questão das receitas que podem ser geradas para organizadores e promotores de espetáculos desportivos.

Por Alexandre Miguel Mestre

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.