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Lei em Campo

Jogador vai processar Botafogo-SP por assédio moral

Andrei Kampff

01/05/2019 16h00

O direito ao trabalho é assegurado a todos pela Constituição Federal.

Ninguém pode ser impedido de trabalhar. Ninguém.

A empresa, o clube, o restaurante, ou seja lá qual for o contratante, claro, não precisa ficar com o empregado contra a vontade dela. Mas ela tem formas legais de acabar com esse vínculo empregatício.

Decidir afastar alguém do trabalho e continuar pagando não é uma dessas alternativas. Gera constrangimento, impede a pessoa de exercer seu ofício, traz abalo emocional, vai implicar em consequencias jurídicas.

As partes podem até acertar esse caminho, do empregado receber sem trabalhar. Mas precisa ser em comum acordo e, de preferência, documentado.

Caso contrário é constrangimento e fere a própria Constituição Federal.

No futebol, por ser o atleta um trabalhador, também é assim.

O Thiago Braga conta uma história que aconteceu em Ribeirão Preto e pode trazer prejuízo ao Botafogo-SP.

 

O jogador Ednei, que foi afastado do grupo principal do Botafogo-SP, resolveu que vai acionar o time na Justiça depois de ter ficado treinando em separado por uma semana.

"Pretendo processar o clube, sim. Por assédio moral. Eles queriam que eu assinasse a rescisão como se eu estivesse pedindo para ir embora. Assinei a rescisão de comum acordo, para que eu pudesse brigar pelos meus direitos. Eles não poderiam fazer o que eles fizeram comigo. Foi muita sacanagem", afirmou Ednei. O contrato de Ednei com o Botafogo-SP iria até o fim de 2019. "Pedi para eles pagarem metade do meu contrato daqui até o fim do ano. Eles me ofereceram um mês mais os dias trabalhados. Não aceitei."

Logo após rescindir com a equipe paulista, o zagueiro acertou seu retorno ao Cuiabá para a disputa da Série B do Campeonato Brasileiro. Mas ele ainda não se conforma com a maneira como o Botafogo-SP agiu para resolver a situação.

"Joguei todos os jogos da equipe no Campeonato Paulista. Fui titular em 11 jogos e entrei nos outros três. Percebi, quando a nova comissão técnica chegou (após o fim do Paulista), que tinha novas preferências. Novos zagueiros chegaram, então a diretoria e a comissão resolveram me afastar e me colocar para treinar separado. Treinei no primeiro dia, no segundo dia cheguei para treinar de novo, entrei no vestiário, minhas coisas não estavam lá. Fui perguntar para o roupeiro e ele falou que nós não iríamos mais entrar no vestiário [do time da casa], que foi uma ordem da diretoria. E que a partir daquele momento as nossas coisas estariam no vestiário do visitante. Foi uma surpresa para mim, uma coisa que eu não esperava, toda essa humilhação. Eles fizeram isso para me forçar a rescindir o contrato", relatou.

Juridicamente, Ednei pode obter uma vitória significativa se conseguir comprovar que passou por esse tipo de situação.

"Trata-se motivo para rescisão indireta do contrato de trabalho, pois essa atitude fere a dignidade da pessoa humana do trabalhador. Na Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), enquadra-se no art. 482. Se for condenado, o Botafogo-SP terá de pagar as verbas rescisórias, inclusive a cláusula compensatória, além de eventual condenação em indenização por dano moral", esclareceu o advogado e professor de Direito Trabalhista Domingos Zainaghi.

Luciane Adam, advogada especializada em Direito Trabalhista, reforça que "o futebol é uma atividade coletiva, e ser afastado pode também trazer prejuízo técnico para ele".  A advogada  fala também sobre o entendimento dos tribunais sobre o assunto: "Nos processos trabalhistas, a Justiça tem reconhecido dano moral ao empregador por ser afastado do convívio social com colegas".

O Botafogo nega que tenha praticado qualquer tipo de assédio e que tenha obrigado o jogador a treinar no vestiário de visitante.

"O único profissional do Botafogo FC que teve contrato rescindido foi o atleta Edinei, em comum acordo e vontade das partes expressa no documento de rescisão assinado. As verbas trabalhistas serão pagas no prazo da lei e do termo de rescisão. O atleta, inclusive, já atuou por sua nova equipe no final de semana passado", respondeu o clube por meio de sua assessoria de imprensa.

Segundo Domingos Zainaghi, o fato de o Botafogo-SP ser um clube-empresa não afeta o caso para a Justiça.

"Simplesmente me trataram como um papel que você amassa e joga fora", reclamou Ednei.

Por Thiago Braga

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.