Não é transgênero, mas também é polêmico no esporte: hiperandrogenismo
Um atleta que apresenta desenvolvimento sexual diferente de outro pode ser proibido de competir?
Nota importante: esse desenvolvimento é natural e se chama hiperandrogenismo.
É o caso da atleta Caster Semenya, bicampeã olímpica no atletismo.
Ela produz mais testosterona que as outras competidoras. Isso a deixaria em vantagem competitiva.
É o que alega a Federação Internacional de Atletismo. A vantagem competitiva fere princípio caro ao esporte, o da Paridade de Armas, ou seja, condições de igualdade para garantir a incerteza de resultado, essência do esporte.
Mas a atleta alegava discriminação. Ela não era responsável pelo que seu corpo produzia naturalmente. Como o espírito olímpico também não aceita discriminação, a briga jurídica é grande.
O Tribunal Arbitral do Esporte. o TAS, se posicionou sobre essa questão.
Entenda o que decidiu o Tribunal com Vinícius Loureiro, advogado especializado em direito esportivo e colunista do Lei em Campo.
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Em um caso que vem sendo discutido há muito tempo, Caster Semenya vinha lutando contra as regulamentações da IAAF (Federação Internacional de Atletismo) que a impediam de competir entre as mulheres. O caso era baseado em suposta discriminação da IAAF contra atletas que apresentem diferenças no desenvolvimento sexual (DSD, sigla em inglês), como a corredora sul-africana.
As regulações da IAAF impedem atletas com hiperandrogenismo, que pode ser provocado por diversas causas e que resulta num excesso de testosterona em mulheres, geralmente em idade reprodutiva. Esse excesso de testosterona daria vantagens a essas competidoras em comparação com aquelas. Para evitar um desequilíbrio nas condições de competição, a IAAF adotou, ainda em 2011, regra que determinava que mulheres com hiperandrogenismo deveriam obter a liberação de um médico para competir entre as mulheres.
Em 2018 a IAAF alterou sua política de controle de hiperandrogenismo, exigindo que qualquer atleta que apresente DSD cumpra três requisitos: a) ser reconhecida como indivíduo do sexo feminino; b) reduzir seu nível de testosterona abaixo de 5 nmol/L por, no mínimo, 6 meses; e c) manter seu nível de testosterona continuamente abaixo de 5nmol/L por tanto tempo quanto desejar ser elegível para as competições.
Dessa forma, o presidente da IAAF, Sebastian Coe, acredita que será possível manter o equilíbrio no esporte, dando a todos os competidores as mesmas condições, fazendo com que o comprometimento e o sacrifício necessários para o alto desempenho no esporte sejam valorizados e inspirem as novas gerações a buscar a excelência.
Ainda que o nível de testosterona permitido nesses casos seja significativamente superior à média da testosterona observada em mulheres (em torno de 1 nmol/L, ou seja, cinco vezes menor) e muito mais próximo dos índices-base dos homens (7,7 nmol/L), o fato de ter que medicar-se para manter os níveis de testosterona próximos da normalidade (algo que em situações normais já deveria ser feito) levou a atleta a recorrer à Corte Arbitral do Esporte na Suíça, buscando que tal norma fosse considerada abusiva e inválida.
Cabe destacar que, geneticamente, Semeneya é homem, ou seja, é um indivíduo XY, que desenvolveu apenas parcialmente seu aparelho reprodutivo, tendo testículos internos e atrofiados. No entanto, continua sendo um indivíduo XY com elevados níveis de testosterona. As regulações da IAAF, no entanto, não imporiam qualquer cirurgia à atleta, cabendo a ela apenas o controle do hormônio masculino por meio de simples pílulas, bastante semelhantes às pílulas anticoncepcionais amplamente utilizadas por mulheres ao redor do mundo.
Caso decida fazer o controle, Semeneya ou qualquer outro indivíduo com níveis de testosterona acima do normal poderão competir entre as mulheres, tendo assim nascido ou não. O debate sobre transgêneros no esporte não deve ser afetado pela decisão do CAS sobre esse caso, ainda que o reconhecimento da possibilidade de limitação por parte das federações internacionais dê indícios de uma posição garantidora da igualdade entre os competidores.
Afinal, é justo ou não permitir que um indivíduo com testosterona em níveis masculinos dispute provas entre as mulheres? A IAAF entende que não, e o CAS ratifica a validade desse posicionamento.
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