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Lei em Campo

Entenda por que divulgação do áudio do VAR no STJD foi histórica

Andrei Kampff

19/06/2019 05h30

Foi um julgamento histórico.

Não pelo resultado,  já que ele seguiu o padrão do Tribunal, como escrevi aqui, uma vez que a Justiça Esportiva carrega com ela o princípio da estabilidade da competição.  Portanto, para anular uma partida, os julgadores precisam estar convencidos de que houve um erro de direito (não aplicação da regra do jogo, como terminar uma partida com 20 minutos sem causa que justifique).

Mas o caso Botafogo X Palmeiras abriu uma caixa-preta do futebol: pela primeira vez a conversa entre os árbitros durante o jogo foi divulgada no STJD.

A assessoria do Tribunal de Justiça Desportiva de Santa Catarina lembra que no dia 6 de junho desse ano, em processo no TJD catarinense, foi divulgado áudio da conversa com o VAR pela primeira vez no Brasil no pedido de impugnação da final do Estadual.

A própria FIFA resiste à ideia de liberar o áudio para a Justiça Esportiva. Mas, por determinação de Leonardo Gaciba– chefe de arbitragem da CBF –, a partir de agora ele será liberado sempre que solicitado pela Justiça. Ufa! Mais uma decisão importante, e que precisa ser elogiada, de Gaciba (a melhor novidade da CBF até agora).

A decisão é compromisso com transparência e dá mais respaldo à avaliação dos julgadores. Ela se torna histórica porque gera jurisprudência para os próximos casos que serão analisados na Justiça Esportiva.

Mas  é sempre importante reforçar: o Tribunal não pode intervir em casos de má aplicação do VAR, mas sim quando há um caso de avaliação de erro de aplicação da regra do jogo. 

Todo clube razoavelmente organizado sabe disso, mesmo assim ainda leva questões para o Tribunal somente para desviar o foco  do trabalho feito, apontando o dedo para um inimigo imaginário. (P.S.: não foi o caso do Botafogo, que levantou uma questão jurídica importante.)

Mas… o Thiago Braga conversou com especialistas para contar em detalhes sobre a importância jurídica do julgamento do caso Botafogo X Palmeiras.


 

Em tempos em que os vazamentos de áudios têm comprometido as mais diversas personalidades da sociedade brasileira, a divulgação da conversa entre o árbitro Paulo Roberto Alves Júnior e o árbitro de vídeo Adriano Milczvski, na partida entre Botafogo X Palmeiras, foi histórica e vai gerar jurisprudência para os próximos casos a serem julgados no Superior Tribunal de Justiça Desportiva.

"É uma decisão importante. A própria Fifa tem muita reticência em divulgar o áudio do VAR. A CBF foi transparente. A posição do Leonardo Gaciba [chefe de arbitragem da CBF] é que, sempre que a gravação for solicitada pelo tribunal, será entregue. Essa decisão mostra a transparência e a lisura do julgamento", afirmou o presidente do STJD, Paulo César Salomão Filho, em entrevista para o Lei em Campo.

Na Copa do Mundo da Rússia, no ano passado, a CBF pediu a divulgação da conversa entre o VAR e o árbitro de campo no jogo entre Brasil e Suíça, mas teve o pedido negado. Na ocasião, a entidade queria saber qual a alegação para a marcação do pênalti que resultou no empate dos suíços em jogo válido pela fase de grupos do Mundial.

"É muito importante que tenhamos as ferramentas do VAR à disposição da Justiça Desportiva. Se o VAR contribui para decisões da arbitragem, nada mais justo que, quando houver necessidade, a Justiça Desportiva tenha acesso a ele", argumenta o presidente do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo, Luiz Marcondes.

O áudio da conversa entre Paulo Roberto Alves Júnior e o árbitro de vídeo Adriano Milczvski mostra todo o desenrolar da ação entre o momento em que Paulo Roberto marca tiro livre indireto por Deyverson simular um pênalti e o momento em que ele sai para analisar o lance na câmera à beira do campo.

"Segura, segura, segura! Aguarda que eu vou checar", pediu o árbitro de vídeo Adriano Milczvski assim que o goleiro do Botafogo, Gatito Fernández, bateu a falta marcada pela simulação do atacante palmeirense.

"P*&a, pessoal. Ok, ok, ok, mas fala antes", protesta o árbitro de campo, antes de concordar com a determinação.

Para o advogado André Sica, que defendeu o Palmeiras no julgamento, a divulgação do áudio foi determinante para a manutenção da vitória do clube paulista.

"Foi muito importante. O áudio reforça que é um erro de procedimento. Que o VAR estava analisando a jogada. Se houve erro, ele é muito insignificante", argumentou Sica.

Com o resultado, o Palmeiras recupera os três pontos da vitória por 1 a 0, em partida da sexta rodada do Campeonato Brasileiro, em Brasília, e se isola ainda mais na liderança do torneio.

Sobre a atuação do árbitro Paulo Roberto Alves Júnior, que inclusive sofreu críticas do auditor Antônio Vanderler, que afirmou que o juiz estava mentindo ao afirmar que não reiniciara a partida, o presidente do STJD minimizou.

"Foi uma interpretação dele do depoimento. Ele entendeu que o árbitro tinha reiniciado. Se porventura ficasse provado mentindo, ele estava passível de sofrer sanção. A Procuradoria também entendeu que ele não estava mentindo, tanto que não ofereceu denúncia", resumiu.

A dúvida que fica é se, a partir de agora, todo time que se sentir prejudicado após uma decisão do VAR terá acesso às conversas da equipe de arbitragem na tentativa de achar um erro de procedimento para tentar anular a partida no STJD. "Vai depender de cada caso. Só quando há um erro flagrante da regra que o tribunal intervém. Esse tipo de situação de má aplicação do VAR não é caso de o tribunal intervir. Só quando o árbitro desconhece a regra", esclarece Paulo César Salomão Filho.

"Acho que é válido, sim, até para que as pessoas possam entender como é a dinâmica do VAR dentro da cabine. É para entender que você está trabalhando, e não assistindo ao jogo", disse o árbitro Adriano Milczvski.

Por Thiago Braga

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.