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Lei em Campo

Copa mostrou: futebol feminino é viável. E a lei pode ajudar

Andrei Kampff

07/07/2019 04h00

Antes mesmo da bola rolar para a final entre EUA e Holanda a Copa do Mundo da França já tinha um vencedor: o futebol feminino.

Nunca se falou tanto dele, nunca se viu tanto, nunca tantos se interessaram por um negócio ainda pouco explorado. No mundo, e especialmente no Brasil.

A realidade hoje é ainda muito difícil por aqui. A maioria das atletas nem sequer tem carteira de trabalho assinada. Times esquecem as leis trabalhistas, e o que é trabalho se transforma quase em exploração.

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Essa realidade pode mudar. E o ponto de partida foi 2016.

Foi em 2016 que a FIFA lançou uma grande ação global de valorização do futebol feminino, colocando no estatuto que ele passava a ser prioridade na entidade. Conmebol e CBF entraram na onda, obrigando os principais clubes a investirem na modalidade.

Claro que no mundo capitalista o investimento é sempre proporcional ao interesse. O esporte também é negócio. Mas vários países já mostraram que mulheres jogando bola pode ser rentável. Mesmo assim, as diferenças de gênero persistem e precisam ser dribladas, com a conscientização de nossos gestores e com investimentos.

Caminhos legais para promover a base do esporte existem no Brasil, como a Lei Agnelo Piva e a Lei de Incentivo ao Esporte. As possibilidades estão aí, e. a Copa do Mundo reforçou que futebol feminino pode ser também um bom negócio.

O Direito Esportivo precisa participar dessa transformação. Não só para fazer cumprir o que a lei manda, como para refletir e adequar a legislação para os novos tempos.

A Ivana Negrão conversou com especialistas para mostrar quais são os caminhos que o Brasil tem para seguir frente nessa transformação.

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Copa do Mundo de Futebol Feminino ganha voz. É o momento de investir e incentivar.

A Copa do Mundo na França chega ao fim destacando não apenas as grandes potências do futebol feminino na atualidade. A edição 2019 da competição foi além das quatro linhas. Ficará marcada por levar o esporte a outro patamar e dar espaço para questionamentos políticos e sociais.

Alex Morgan, uma das estrelas da seleção americana que disputa neste domingo o título contra a Holanda, é também uma das líderes do grupo na luta pela igualdade de gêneros e por maior visibilidade do esporte. No Dia Internacional da Mulher, as jogadoras entraram com processo contra a US Soccer, federação americana de futebol, por discriminação "institucionalizada" em razão dos menores valores em prêmios e pior estrutura e condições de trabalho em relação ao time masculino.

Nos Estados Unidos, o time feminino é tão conhecido quanto o masculino. Elas já ganharam 3 Copas do Mundo e detêm o recorde de audiência de um jogo de futebol no país. Porém, entre prêmios e salários, ganham no máximo 38% dos valores pagos aos homens. "Em algum momento será preciso rever isso", declarou Morgan que já completou 100 jogos pela seleção americana e é uma das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2019, segundo a revista Time.

Tamanha representatividade parece surtir efeito. Na última sexta-feira, a FIFA anunciou mudanças para fortalecer o crescimento do futebol feminino. O presidente Gian Infantino divulgou em entrevista coletiva que pretende ampliar o número de seleções participantes para 32 nas próximas edições. O que vai crescer também é o valor da premiação. Quem vencer a edição 2019 vai receber cerca de R$ 114 milhões. Em 2023, a quantia deve chegar a R$ 229 milhões.

Além disso, o objetivo é criar mais competições, como a Liga Mundial de Clubes, ainda em 2020, e uma Liga Mundial Feminina similar à Liga das Nações da Europa. "É uma grande coisa o que está acontecendo nesta Copa do Mundo. Mas depois as pessoas esquecem, fazem outras coisas. É nosso trabalho garantir que elas não se esqueçam. Por isso, eu pedi ao conselho da Fifa para abraçarmos o futebol feminino", declarou Infantino.

Juliana Avezum, advogada especialista em direito esportivo e entretenimento, defende que esse é o caminho. "Provomer o 'espetáculo' para despertar o interesse do público". Começar internamente, dentro das federações e confederações, com eventos e ligas, para dar visibilidade e fazer com que as pessoas 'consumam' o esporte feminino. "A Constituição Federal hoje prevê igualdade de gêneros. Não existe mais lei que proíba as mulheres de praticar esporte no Brasil. Porém, não é porque não é vedado que ele passa a ser visto. Não é o único passo, precisa de incentivo em todas as instâncias".

Daniel Falcão, professor de direito esportivo, reforça que o poder público pode contribuir com políticas de incentivo ao esporte feminino, tanto nas escolas, como nas categorias de base e universidades, "através de programas como o Bolsa Atleta ou mesmo pela Lei Agnelo Piva, com a destinação específica de parte da arrecadação bruta das loterias federais em operação no país para as mulheres".

Há ainda a Lei de Incentivo ao Esporte, que pode e deve ser utilizada para o desenvolvimento de projetos. A verba é administrada pelo Ministério da Cidadania. "As entidades precisam elaborar os projetos e apresentá-los para as empresas privadas. Aquelas que fecharem a parceria, têm redução no imposto de renda", acrescenta Daniel Falcão.

Formas de incentivo já existem. É o momento das entidades se apropriarem delas e aproveitarem o crescimento do interesse para fidelizar o público e desenvolver o futebol feminino. "Com a obrigatoriedade da Conmebol e CBF para que os clubes inscritos em suas competições tenham também um time feminino, muita coisa mudou. É preciso dar continuidade a esse processo. São trabalhos que levam tempo para surtir efeito. Passos pequenos, mas são passos. O patrocínio vai começar a aumentar quando as marcas sentirem que tem visibilidade e retorno do público. Tornar o esporte mais visível é importante", defende Juliana Avezum.

Prova disso vem da China. Na última semana, Jack Ma, fundador do Alibaba e braço de pagamentos digitais da Alipay, anunciou a doação de um bilhão de yuans (U$ 145 milhões), que será distribuído na próxima década e utilizado para a prevenção e tratamento de lesões, desenvolvimento da carreira das jogadoras aposentadas, e especialização de treinadores, bem como das jovens atletas. A seleção feminina chinesa, apesar de receber menos apoio que a masculina, fez grande campanha na França, quando foi eliminada nas oitavas-de-final pelos Estados Unidos. Foi a sétima participação das chinesas em oito edições da Copa do Mundo.

O pontapé inicial foi dado. Com ações mais atrativas, o futebol feminino tem mesmo como crescer a médio prazo e a longo prazo. 

 

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.