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Lei em Campo

Erros se repetem. Afinal, por que árbitros não são profissionais no Brasil?

Andrei Kampff

08/07/2019 05h25

A legislação brasileira precisa mudar. Ela precisa dar também atenção à arbitragem.

A arbitragem foi protagonista da Copa América. E, mais uma vez, não foi por receber elogios. Na minha opinião, vai continuar sendo assim enquanto algo fundamental não mudar: árbitro precisa ser um profissional do apito.

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A arbitragem no Brasil precisa ser repensada. Ela tem que ser discutida e debatida por todos os operadores do esporte. Legisladores, associações esportivas e árbitros, claro.

São muitos os problemas. A começar pelo fato de que nem sequer eles são tratados como manda a Lei dos Árbitros, como profissionais (sim, há uma lei que regulamenta a profissão de árbitro, a Lei 12.867/2013. Se for dar uma olhada, não se espante, ela é realmente preguiçosa e não protege em nada a categoria, pelo contrário).

Para piorar, a Lei Pelé estabelece que os árbitros não têm vínculo de emprego com a entidade pagadora do seu "salário".

Até em função desse vazio jurídico, pipocam problemas. Como se vende um patrocínio para a camisa do árbitro e ele não recebe nada para virar garoto-propaganda em um jogo visto por milhões de pessoas? Mas essa é outra história…

Em países como Inglaterra, Espanha, a relação é outra. O árbitro tem salário e uma remuneração a mais por jogo trabalhado. É possível. E seria mais justo.

A profissionalização não elimina erros, mas os diminui. Diminui porque traz com ela uma preparação mais adequada, um compromisso maior. E também deixa mais legítima qualquer reclamação por erro.

Nossa legislação precisa mudar! Entenda por que árbitros não são profissionais no Brasil com Thiago Braga, que ouviu especialistas sobre o assunto.

 


 

Em um cenário em que o árbitro de vídeo (VAR) tem exposto cada vez mais os erros dos árbitros, uma saída para a diminuição dos erros poderia ser a profissionalização da arbitragem. A profissão é regulamentada por legislação própria, a Lei 12.867/2013, que faculta à categoria a organização em associações profissionais e em sindicatos, que define os árbitros como trabalhadores sem vínculos empregatícios formais com federações estaduais ou a CBF.

"Em suma, ao se pretender o reconhecimento de vínculo trabalhista, o árbitro de futebol deve realizar a prova do preenchimento dos requisitos formadores do pacto laboral, conforme preconizado nos artigos 2º e 3º da CLT. Tal relação deveria ser pleiteada perante a federação ou confederação na qual o árbitro atua. Em que pese o processo trabalhista ser regido pelo princípio da primazia da realidade, o Judiciário já analisou diversos pleitos, sendo que, em sua esmagadora maioria, entendeu pela impossibilidade de reconhecimento de vínculo ante a autonomia da profissão e a inexistência de subordinação", esclarece o advogado trabalhista Lucas Zandonadi.

No Brasil, um árbitro do quadro da Fifa ganha em média R$ 4 mil para apitar uma partida da Série A do Brasileirão. Mas para isso precisa ser sorteado em audiência pública realizada pela CBF. O que pode acontecer em uma rodada apenas ou todo o torneio.

"Uma vez implementada a profissionalização, haveria considerável melhora nas condições dos árbitros, bem como maior segurança quanto ao exercício da profissão. Hoje em dia, os árbitros recebem pouco e costumeiramente se faz necessário o exercício de outra profissão para sua subsistência, o que obsta a dedicação em tempo integral a fim de uma efetiva preparação para a arbitragem em si. Desta forma, a profissionalização traria não só efetiva melhoria para os próprios árbitros, mas também uma consequente e efetiva melhora na qualidade da arbitragem como um todo", completa Zandonadi.

O Brasil, no sentido da profissionalização, vai na contramão de países como Inglaterra, Portugal, Espanha e França. Lá os árbitros recebem uma remuneração mensal, mais um valor por jogo. "Se fazem parte da Premier League, recebem 70 mil libras por ano (aproximadamente R$ 334 mil), mais o adicional por jogo (que varia de R$ 2.000 a R$ 5.000 em média)", analisa a advogada Vanessa Araújo Souza. E aprimoramento técnico, físico e apoio psicológico ficam a cargo da Federação Inglesa.

Os árbitros raramente são lembrados por suas boas atuações. Assim, correm constantemente o risco de ver um erro em campo marcar para sempre sua carreira. "Quando não se é profissionalizado, o treinamento é dividido com outras ocupações. A atenção fica dividida, e talvez os treinamentos sejam feitos de maneira apressada ou no dia errado porque o árbitro tem outras prioridades, como a outra profissão, que é sua maior fonte de renda", analisa a ex-árbitra assistente Nadine Bastos, hoje comentarista do Fox Sports.

"Isso seria bom demais, né. Se você se machuca, é deixado de lado por conta de escala, deixa de receber", lamenta o árbitro Guilherme Ceretta de Lima.

Porém, a legislação desportiva brasileira, a Lei Pelé, estabelece que o árbitro não pode ser empregado das entidades com as quais se relaciona.

Uma saída para isso, segundo o advogado e professor de direito trabalhista Domingos Zainaghi, seria transformar os árbitros em trabalhadores avulsos. "É uma categoria prevista na Constituição. O trabalhador avulso tem os mesmos direitos do empregado. O trabalhador avulso é aquele que não tem empregador, mas ele ganha todos os direitos como se fosse empregado. Os estivadores, por exemplo, são contratados para carregar e descarregar navios. Se um navio ficar atracado por dois meses e eles ficarem trabalhando por dois meses, eles vão ganhar o valor do pagamento das diárias desse período. E quando terminar, o empregador vai ter que pagar 2/12 de férias, 2/12 de décimo terceiro e o valor equivalente de FGTS. Além disso, nesse estudo que fiz, um anteprojeto de lei, a profissão de árbitro de futebol seria só para profissionais formados em educação física. Criaríamos empregos para estudantes de educação física. O árbitro teria que se dedicar como profissão principal, não como bico", esclarece.

Em qualquer partida, seja nas divisões inferiores, seja na elite do futebol brasileiro, o profissional da arbitragem vive a constante pressão de não se tornar protagonista da partida que apita. O erro pode ser fatal.

"Essa é a parte mais difícil. Saber lidar não com as exigências de torcida ou parte externa de jogos, mas com a própria exigência. Nunca gostei de errar e acho que ninguém gosta, mas o erro faz parte da vida, e saber lidar com isso é difícil. Sempre dei muito valor ao pilar mental. Eu fazia terapia para autoconhecimento para me ajudar a manter o equilíbrio em momentos de tensão e pressão – fator importantíssimo se tratando de um esporte que mexe com a paixão de muitas pessoas", revela Nadine Bastos, que se dividia entre bandeirar e ter seu próprio consultório odontológico em Santa Catarina.

Ceretta diz que a política atrapalha a profissionalização e a melhoria dos árbitros. "Mesmo sem ser profissional, se tivéssemos os melhores árbitros apitando, o número de erros seria menor. Tem que mudar tudo, o árbitro tem de ter um salário, pagar imposto sobre o salário, se vai apitar um, três ou dez jogos, vai ganhar a mesma coisa. Não que não vai ter erro porque vira profissional, mas trabalhar só para isso diminui bem a quantidade de erros", afirma.

Para o presidente de um dos maiores sindicatos de árbitros do país, quem tem que ser responsável por seu cuidado é o próprio árbitro. "A maioria das federações não têm essa estrutura, porém, entendo que a função não é dela, e sim do árbitro, desde que seja muito mais bem remunerado. Ele é um profissional liberal. Pode apitar uma semana em um estado e na outra em outro estado. Pode fechar contratos, constituir sua empresa, ser uma pessoa jurídica, contribuir com seus impostos e recolhimentos previdenciários. Hoje um árbitro pode se aposentar na função. Mas deve trabalhar nas federações sob contratos individuais", argumenta Arthur Alves Júnior, presidente do Sindicato dos Árbitros de Futebol do Estado de São Paulo (Safesp).

Atualmente morando nos Estados Unidos, Guilherme Ceretta diz que recorda com carinho da época em que apitava no Brasil, mesmo com todos os perrengues por quais os árbitros passam. "Sinto muita saudade. Apitar grandes jogos, apitar finais como apitei, sentir o friozinho na barriga na hora que sai o seu nome no sorteio. O melhor jogo da rodada é o em que vocês está, seja na Série A, B, C. Se for mal na C, não vai chegar na A", finaliza Ceretta.

Por Thiago Braga

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.