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Lei em Campo

Por que Atlético-MG recorreu ao STJ para receber os R$ 10 milhões de Fred

Andrei Kampff

10/08/2019 11h30

O Atlético-MG partiu para o ataque na disputa para poder receber os R$ 10 milhões de multa pela ida de Fred para o Cruzeiro. No mês passado, o atacante conseguiu uma liminar na Justiça do Trabalho suspendendo o pagamento. A Justiça queria entender de quem é a competência para julgar o caso, se da Comissão Nacional de Resolução e Disputas (CNRD), da CBF, ou da Justiça do Trabalho. E o Galo entrou com ação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que a Corte decida quem deve julgar o mérito do conflito.

"Esse é um caso típico de má-fé por parte do atleta. Isso sem nem sequer iniciar um debate jurídico. Se o atleta entendia que a CNRD não era competente para analisar o caso, deveria ter questionado a competência no início do processo, jamais após a decisão", disparou o especialista em direito esportivo Vinícius Loureiro.

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O artigo 3º do Regulamento da CNRD, que fala sobre a competência do órgão, define que, "sem prejuízo do direito de qualquer atleta, treinador, membro de comissão técnica ou clube recorrer aos órgãos judicantes trabalhistas para dirimir litígios de natureza laboral, na forma da lei, a CNRD tem competência para conhecer de litígios: entre clubes e atletas, de natureza laboral, desde que de comum acordo entre as partes, com garantia de um processo equitativo e respeito ao princípio da representação paritária de atletas e clubes".

Para o advogado Gustavo Lopes, a CNRD foi definida como órgão para definir o caso, e isso deveria ser respeitado, até porque a relação entre as partes é diferente, já que contratos entre clubes e atletas desse nível são, em geral, contratos entre duas empresas, não uma relação laboral comum. "O Fred não é hipossuficiente, portanto, a Justiça do Trabalho não tem competência para isso. O Fred pode, sim, ser punido, tanto no âmbito desportivo quanto no âmbito legal, em caso de improcedência da ação. Caso se entenda que o Cruzeiro se beneficiou, ele pode ser punido desportivamente, com perda de pontos", analisou o especialista em direito esportivo.

Quando assinou sua rescisão de contrato com o Atlético-MG, Fred se comprometeu a não trocar o Galo pelo Cruzeiro, sob pena de ter de pagar a multa estipulada. Depois do acerto, o Cruzeiro publicou nota em seu site oficial na qual afirmava que, "caso o parecer seja favorável ao pagamento, o Cruzeiro não vê problema para fazer o pagamento dos R$ 10 milhões, pois conta com um grupo de empresários cruzeirenses que está auxiliando o clube nessa operação e irá fazer a quitação integral do valor".

Acostumado a marcar gols, Fred pode ser punido justamente por uma falha que ele não comete usualmente: a linha de defesa de seus defensores pode se voltar contra o atacante.

"Considero que a competência da Justiça do Trabalho é absoluta nas questões trabalhistas, pelo que dispõe a Constituição. Porém, existe um princípio jurídico, o venire contra factum proprium: você não pode ter um comportamento contraditório no direito. No caso do Fred, se ele aciona a CNRD para discutir as questões trabalhistas, e depois ele considera que ela não é competente, esse é um comportamento contraditório por parte dele, e isso pode ser levado em consideração", resume o especialista em direito esportivo Martinho Neves.

Assim, além de ter que pagar a multa, Fred pode ter mais um prejuízo, especialmente financeiro. "Pessoalmente, entendo que esse tipo de atitude diverge da ética que se espera de um esportista, então acredito que seja possível, sim, uma punição disciplinar ao atleta. No entanto, não vejo essa punição como tendo grande relevância. A maior punição, em minha visão, pode vir do próprio Poder Judiciário, caso seja reconhecida a má-fé do atleta nesse litígio", analisou Loureiro.

Se o STJ decidir em favor de Fred e julgar que o mérito da ação deverá ser apreciado pela Justiça do Trabalho, a CNRD perderá totalmente a força para julgar questões trabalhistas.

"Caso a Justiça do Trabalho venha a manter essa decisão, no sentido de que a competência é dela, a CNRD vai sofrer um golpe duríssimo que pode levar até a sua inocuidade. É um precedente que vai fazer com que ninguém mais tenha segurança jurídica para demandar na CNRD. Na minha visão, é um pleno absurdo as partes pactuarem um juízo arbitral e, na hora em que tem a decisão desfavorável, questionar o juízo dele. O Fred não questionaria a decisão se tivesse vencido. É muito importância para a CNRD que as partes respeitem e aceitem o que foi tratado de maneira privada. Ele escolheu a CNRD. Quando se escolhe um árbitro, uma forma de solução de conflitos não estatal, as partes têm de conferir legitimidade a ela", justificou Gustavo Lopes.

Depois da primeira partida da semifinal da Copa do Brasil, as ruas de Belo Horizonte serviram para o protesto da torcida do Cruzeiro contra o rendimento do time, que perdeu por 1 a 0 para o Internacional. Uma das faixas dizia "Fora Fred caloteiro. Assuma sua dívida e vaza do Cruzeiro!".

"Ainda que o Cruzeiro seja solidariamente responsável pela dívida, entendo que a participação dele no processo não pode ser presumida. Caso fique comprovada participação do Cruzeiro nas ações do Fred, seja financiando o advogado, seja oferecendo algum tipo de bônus financeiro para que o atleta recorra ao Poder Judiciário, aí, sim, vejo possibilidade de punição ao clube, mesmo que remota. No entanto, em minha visão, essa participação não pode ser presumida, deve ser comprovada", finalizou Loureiro.

Por Thiago Braga

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.