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Lei em Campo

Saiba por que banco para Cristiano Ronaldo pode sair caro para Juventusu

Andrei Kampff

11/08/2019 13h00

Os apaixonados pelo futebol vão entortar a cara comigo agora, mas não posso começar esse texto de maneira diferente.

Mas o futebol da vocação da paixão e da devoção, é também do negócio. Aceitando o óbvio vai ficar mais fácil de entender: a relação do torcedor que compra um ingresso com o organizador do jogo é um contrato de prestação de serviço.

No Brasil, Lei Pelé e Estatuto do Torcedor já equiparam torcedor a consumidor, com o Código do Consumidor podendo também ser aplicado nas relações de consumo do "produto esporte".

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Agora, CR7 e o problema na Coréia do Sul.

Por lá foi organizado um amistoso entre estrelas do futebol sul-coreano e a Juventus. Na hora de divulgar o espetáculo, Cristiano Ronaldo foi o garoto propaganda. Tudo bem se….. ele não ficasse o jogo inteiro no banco.

Quem explica essa história e conta o que pode acontecer é Martinho Neves Miranda, professor de direito e colunista do Lei em Campo.

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Conto de fadas ou conto do vigário?

Esta estória todos conhecem. Depois de tanto sofrimento, Cinderela finalmente se une ao seu príncipe encantado e vivem felizes para sempre.

Um de seus percalços foi ter que desaparecer no meio da festa promovida para que o príncipe escolhesse sua esposa dentre todas as moças existentes no reino.

No ápice da festa, quando o relógio soou as doze badaladas, Cinderela teve de sair correndo e ao Príncipe restou apenas ficar com um dos seus sapatinhos de cristal que ela deixou cair na escadaria.

Na Coreia do Sul a festa também estava toda armada, mas a estrela da comemoração ficou escondida: Cristiano Ronaldo.

Foi no último dia 26 de julho com o estádio de Seul lotado, em que 66 mil pessoas (que pagaram até US$ 337 por ingresso) compareceram para assistir o amistoso entre Juventus e o K-League All-Stars, um combinado formado com os melhores jogadores da liga coreana.

Todavia, os torcedores queriam mesmo era ver CR7. Diferentemente de Cinderela, ele não desapareceu, mas de qualquer maneira ficou de fora do baile, passando o jogo todo sentado no banco de reservas. De acordo com a liga Coreana, havia um acordo para que o gajo desse o ar de sua graça ao menos por 45 minutos.

O técnico da Juventus, em mensagem nebulosa, limitou-se a dizer que ele não jogou pois "não estava 100% em forma devido à fadiga muscular".

O que era para ser um conto de fadas, ficou mais parecendo o conto do vigário. O escritório de advocacia sul-coreano que representa os queixosos torcedores disse que moverá uma ação por descumprimento contratual contra a madrasta da vez: a agência de marketing esportivo responsável pelo evento.

Por outro lado, a liga coreana disse que irá pegar uma carona nessa carruagem para também se ressarcir dos prejuízos, mostrando que tudo acabou virando abóbora mesmo.

Quando o ingresso é comprado, torcedor e organizador do encontro formalizam um contrato de prestação de serviços, em que este último se compromete a exibir o espetáculo na forma pactuada com o adquirente.

No Brasil, as relações entre organizadores e espectadores de eventos desportivos foram classificadas como genuínas relações de consumo, tendo a Lei nº. 9.615/98 equiparado o espectador pagante do espetáculo aos consumidores, na forma da Lei nº. 8.078/90.

Uma vez aplicável o Código do Consumidor a esta relação, é bom ter em mente que o seu art. 20 é expresso ao dizer que o "fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária."

Em partidas amistosas do naipe da que envolveu o jogo entre Juventus e a K-League All-Stars, é importante averiguar o que foi divulgado na mídia para que os torcedores acudissem aos reclamos publicitários.

Com efeito, quando uma empresa ou federação esportiva promove uma partida, incitando o comparecimento dos interessados ao campo de jogo para assisti-la, está fazendo uma verdadeira proposta de contrato, que, sendo feita no Brasil, obriga o proponente nos termos do art. 427 do Código Civil.

Nessas circunstâncias, se a campanha promocional focar num personagem específico e garantir sua presença no encontro, o organizador vincula-se a este compromisso.

Não tendo sido cumprido o que foi prometido, o consumidor pode exigir a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos, na forma do art. 20 do CDC.

Mas pode ocorrer que a obrigação não tenha como ser satisfeita por circunstâncias alheias à vontade das partes, como nas hipóteses de caso fortuito e força maior, oportunidade em que a obrigação se resolve com a devolução da quantia recebida, sem pagamento de qualquer indenização, conforme preceituam os arts. 248 e 393 do Código Civil.

Eis, portanto, a diferença: quando um contrato é inadimplido por culpa de um dos contratantes, a outra parte pode obter uma indenização, enquanto que se houver descumprimento por fato superior às forças do devedor, a hipótese é de mera extinção, com o retorno de ambos à condição que detinham antes de celebrarem a avença.

Esta segunda hipótese foi exatamente a que foi alegada pela Juventus, ao afirmar que o português não entrou em campo porque estava sem condições, apesar de ter ficado no banco de reservas…

Entretanto, quando um contrato é descumprido, salvo em casos notórios como atentados terroristas ou eventos climáticos, por exemplo, a culpa do devedor é presumida. Não basta a ele contar uma estorinha triste e ficar tudo por isso mesmo. Cabe a ele demonstrar cabalmente o caso fortuito ou de força maior e que não contribuiu com eventual desídia para a concretização do evento danoso.

Por isso, a alegação da Juventus exige a comprovação clara e manifesta de que o atleta se contundiu. Técnico não é médico. Um profissional de medicina deveria ter feito o diagnóstico e que este fosse amplamente divulgado.

E mais! Se ele não estava em condições de jogar, deveriam ter divulgado antes da partida para que o público pudesse refletir se compareceria ou não ao evento e não ardilosamente esconder esse fato, passando a sensação de que todos teriam caído num verdadeiro conto do vigário.

Tudo o que aconteceu na Coreia do Sul poderia ter sido evitado se tivesse havido um bom assessoramento jurídico: a propaganda teria sido monitorada, CR7 talvez não ficasse nem no banco e sua condição física teria sido informada e comprovada previamente.

O profissionalismo de verdade requer de todos os atores esportivos o comprometimento com normas e contratos assumidos e a participação ativa da assessoria jurídica em todas as etapas do processo, realizando um trabalho de prevenção de danos, para não deixar que sejam remediados depois.

Porque imprevistos acontecem.

E não dá pra ter certeza de que haverá sempre um final feliz.

A não ser que se trate de um belo conto de fadas.

 

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.