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Lei em Campo

FIFA "declara guerra" ao preconceito no futebol. Ainda bem. Entenda

Andrei Kampff

12/09/2019 12h30

A FIFA aumentou o cerco ao preconceito no futebol. Ainda bem!

É o que mostra novo Código Disciplinar da entidade, uma espécie de lei do futebol.

O código, apesar de mais enxuto, está mais completo, e moderno. Ele reforça uma preocupação necessária do movimento esportivo, o combate a todo tipo de preconceito. 

VEJA TAMBÉM:

Historicamente o esporte  ajudou na luta contra o racismo, contra a discriminação aos mais pobres, até na abertura democrática no Brasil durante os anos da ditadura. Devido à força que o esporte tem como instrumento de transformações, não podem existir fronteiras entre ele e causas importantes para a sociedade.

A sociedade evolui, e o esporte não pode ficar preso a costumes discriminatórios. Ele precisa evoluir e integrar, aproximar e acolher a todos.

E, claro, que o Código da FIFA servirá de base legal para punição ao preconceito na Justiça Esportiva.

O Luiz GG Costa, advogado em Londres e colunista do Lei em Campo, explica mais sobre o novo Código do futebol e essas preocupações.


 

O Código Disciplinar da FIFA 2019 – parte 2

Conforme prometido na semana passada, quando abordamos brevemente algumas mudanças trazidas pelo Código Disciplinar da FIFA 2019, continuaremos a tratar de aspectos importantes que esse novo documento mantém e, de certa forma enfatiza, em relação à versão anterior.

Marcos importantes trazidos por edições anteriores no combate ao racismo e discriminação foram mantidos no novo documento. De fato, foram até ampliados. Sabemos do tamanho do problema atualmente enfrentado pelo mundo da bola em relação a discriminação em suas várias formas, tais como racismo, homofobia etc.

O documento anterior, de 2017, trazia (i) a suspensão de pelo menos 5 partidas (ii) multa de no mínimo 20 mil francos suíços e (iii) proibição de frequentar estádio para qualquer pessoa (mas lê-se, participante do jogo em si) envolvida em comportamento discriminatório. Já aos clubes e/ou federações-membros da FIFA, podiam ser punidos pelo comportamento das suas torcidas por meio de multas a partir de 30 mil francos suíços, além de perda de pontos, desqualificação das competições e jogos sem torcida.

Porém, o novo documento em seu artigo 13 prevê um aumento do número de partidas de suspensão para aqueles envolvidos em comportamento discriminatório, de 5 para 10. Aos clubes, em relação à conduta dos seus torcedores, a "mordida" financeira tem um potencial muito maior. Enquanto a multa caiu para 20 mil francos suíços (uma redução dos 30 mil francos suíços), ela agora vem concomitante com uma punição de uma partida com número limitado de torcedores. Assim, há um potencial imediato de que o valor que o clube deixará de arrecadar por ter menos torcedores no estádio excederá a diferença de 10 mil francos suíços previstos como punição mínima no documento anterior. Ademais, em caso de reincidência, a FIFA pode demandar que os clubes e/ou federações implementem um plano de prevenção. Ainda esperamos para ver como isso funcionará exatamente.

De qualquer forma, entendemos que os marcos mais importantes do novo documento são:

 

  1. Por meio do artigo 13.1 a FIFA "declara guerra" à homofobia! Apesar de já ter histórico de punições a federações for cânticos homofóbicos de torcedores, a FIFA em seu novo código disciplinar faz menção explicita a orientação sexual (vale a pena ouvir o podcast # 4 do Lei em Campo sobre homofobia);
  2. Pessoas diretamente ofendidas pelo comportamento discriminatório agora podem produzir uma declaração do impacto que o ato tenha causado em suas vidas. Com isso, as vítimas de tais atos terão voz direta com a FIFA. Ou seja, quando um jogador sofrer qualquer tipo de discriminação (de outros jogadores, comissões técnicas ou torcedores), ele (ela) poderá ter sua voz quanto à punição e/ou seu impacto. Imagine a contribuição que jogadores eloquentes (Raheem Sterling e cia.) terão no processo disciplinar; e
  3. Maio poder aos árbitros, que agora podem, por força do artigo 13.4, abandonar uma partida por causa de racismo e/ou discriminação. Caso ocorra, o resultado da partida será a perda por 3 a 0 da equipe culpada pelos atos. Imagine uma final de mundial sendo decidida dessa forma…

 

Tais inovações são sempre muito bem-vindas, mas o tempo dirá sobre sua aplicabilidade e efetividade no combate à discriminação. Sempre esperançosos por um mundo melhor, qualquer avanço no combate à discriminação é boa notícia. Se o  amanhã for melhor que hoje, já teremos conquistado um grande passo.

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.