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Lei em Campo

Por manipulação de dados, Rússia pode ficar fora da Olimpíada de Tóquio

Andrei Kampff

23/09/2019 16h02

Maxim Shemetov/Reuters

Uma potência olímpica desmascarada. A trajetória de conquistas recentes da Rússia mostrou ser frágil tal qual um castelo de cartas. Afinal, ela estava contaminada por algo grave: doping. E para piorar: uma política estatal de dopagem que arquitetou, financiou e pôs em prática esse crime esportivo.

O doping é tratado de maneira severa no esporte. Afinal, ele fere um dos príncipios mais caros ao esporte olímpico, o da "paridade de armas". Depois de flagrada e punida por esse doping coletivo em vários eventos esportivos nos anos 2000 (inclusive sendo banida dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2018) , a Rússia foi obrigada e entregar arquivos a WADA, Agencia Mundial Antidoping. Esse acordo fazia parte de uma negociação para o país voltar a competir internacionalmente em várias modalidades.

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A WADA analisou os dados e apontou inconsistências. Isso é muito sério, e deve ser punido com rigor pela Agência, e pelo movimento esportivo.

O Thiago Braga ouviu especialistas e conta essa história.

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A Agência Mundial Antidoping (WADA) deu três semanas para que a Rússia explique a inconsistência nos dados cedidos pelo país para o órgão. De acordo com a WADA, testes positivos teriam sido apagados dos arquivos que a Agência Antidoping da Rússia (Rusada) disponibilizou para a WADA em janeiro deste ano. Com essa suposta manipulação na base de dados, agora a Rússia, que ficou de fora parcialmente dos Jogos do Rio, em 2016, e foi banida da Olimpíada de Inverno de 2018, pode ficar fora da Olimpíada de Tóquio, no ano que vem.

"As consequências podem ser gravíssimas. Esse acordo que retirou a suspensão foi um acordo feito com estritas condições. O descumprimento pode ensejar, sim, a suspensão da Rússia das competições esportivas que tenham a assunção da regulação antidopagem do Código Mundial Antidopagem da Wada. Não só a Olimpíada e Paralimpíada de Tóquio, como outras competições também" explicou o advogado Vinicius Calixto, especialista em direito esportivo.

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A Wada informou que enviou à Rusada e ao Ministério do Esporte da Rússia uma cópia do relatório dos especialistas independentes que detalha as inconsistências, questionando as diferenças na base de dados passada por um "X-9" em 2017 e a base de dados repassada pelas autoridades russas neste ano.

"O que acontece nesse caso é uma quebra de confiança. A decisão do ano passado, em que a Wada retirou a suspensão imposta à Rusada, já foi carregada de muitas críticas de entidades representativas de atletas e de entidades antidopagem. Mas a Wada resolveu bancar como um voto de confiança. Abrir o prazo de três semanas, ao meu ver, indica preocupação de garantir o devido processo legal para que a agência russa apresente os dados corretos e limpe alguma mácula que possa ter ficado", pontuou Calixto.

Depois que essa resposta for recebida e analisada, os especialistas forenses independentes se reportarão ao Comitê de Compliance da WADA, que vai decidir se deve levar uma recomendação formal ao Comitê Executivo da entidade.

Em abril, os técnicos da entidade recuperaram mais de 2.200 amostras coletadas de atletas russos entre 2012 e 2015, o que agora a WADA informou que resultou em 47 novos casos de doping.

"A situação é muito séria", disse o presidente do Comitê Olímpico Russo, Stanislav Pozdnyakov, em comunicado. Ele acrescentou que, se a Rússia não puder refutar a alegação ou identificar possíveis suspeitos, "as perspectivas da equipe olímpica russa de participar dos Jogos em Tóquio no próximo ano poderão estar ameaçadas".

"Enquanto isso, o processo de usar os dados restantes do Laboratório de Moscou e outras formas de evidência para trazer mais trapaças à Justiça continua", disse a Wada, em nota.

A decisão da WADA de abrir um novo procedimento pode influenciar diretamente no Mundial de Atletismo que começa na próxima sexta-feira em Doha, no Catar. Pelo menos 30 atletas do país foram inscritos como neutros na competição, enquanto a Federação Russa de Atletismo segue suspensa.

Por Thiago Braga

Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.