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Lei em Campo

Estudo mostra que futebol prejudica saúde dos atletas. Regra precisa mudar

Andrei Kampff

22/10/2019 04h00

É sempre importante repetir que o esporte vive em constante evolução e transformação. Mas essas só se manifestam quando provocadas.  A provocação pode aparecer como forma de aprimorar o jogo, de deixá-lo mais interessante, mais justo, ou mais seguro para quem joga.  E ela aparece de diferentes maneiras, a partir de processos judiciais, de tragédias, mas também do entendimento científico e humano de que o esporte precisa proteger a saúde de quem o pratica. Esse entendimento é fundamental no Direito Esportivo. E aos organizadores do jogo. 

O futebol precisa evoluir, ele anda atrás de esportes como basquete, rúgbi, futebol americano e outros quando o assunto é lesão na cabeça. O protocolo da FIFA, seguido pelas federações nacionais  não ataca o problema de maneira eficaz. A ciência tem mostrado que não cuidar de concussão pode gerar doenças graves.

Um estudo que mostra como o futebol afeta a saúde dos atletas pode ajudar a acelerar uma mudança necessária. 

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Pesquisa mostra que futebol afeta saúde de atletas

Um artigo publicado essa semana pela revista New England Journal of Medicine, uma das publicações científicas mais prestigiadas da área da medicina, trouxe levantamentos importantes, e surpreendentes. A repercussão será gigante, uma vez que foi o primeiro estudo feito com uma grande amostragem de ex- atletas de futebol. Foram 7676 ex-atletas e 23000 controles.

O trabalho comparou a taxa de mortalidade entre ex-atletas de futebol na Escócia com a população em geral, num trabalho retrospectivo, feito de trás para frente.

Neste estudo, os pesquisadores concluíram que:

  • nos atletas o risco de de morte por doenças degenerativas é 3,5 vezes maior do que no não atleta;
  • para Esclerose Lateral Amiotrófica 4 vezes;
  • para causas diretamente relacionadas a Alzheimer foi 5 vezes maior;

O único dado positivo para o atleta é que a taxa de mortalidade por doenças cardiovasculares é 20% menor do que a da população geral.

O Dr Hermano Pinheiro, um especialista e estudioso nessa área de concussão no esporte, com pós-doutorado pela USP, diz que "o trabalho não foi possível encontrar essa associação das doenças aos traumas na cabeça, uma vez que não foram realizadas autópsias para estudo anatomopatológico nos cérebros. Essa é a única maneira de de se diagnosticar a Encefalopatia Traumática Crônica. Mas quem conhece o contexto das concussões cerebrais no futebol atualmente desconfia disso".

O presidente da Associação de Futebol da Inglaterra (FA) também se manifestou: "O esporte deve entender que este é apenas o começo da nossa compreensão. Ainda há muitas perguntas que precisam ser respondidas. É importante que o mundo do futebol se uma para encontrar as respostas e fornecer um melhor entendimento dessa complexa questão".

Os dados da pesquisa trazem números muito parecidos com os das pesquisas feitas nos Estados Unidos com os ex-jogadores de futebol americano.

Concussão e a NFL

A concussão cerebral é a perda de consciência num intervalo curto de tempo, e acontece logo após um traumatismo craniano. De difícil diagnóstico, ela caracteriza-se por microlesões, que não são visíveis, mas que apresentam sintomas característicos. E como o diagnóstico é complicado, muitos atletas que sofrem concussão voltam ao jogo, o que é um problema sério. 

A NFL – liga profissional de futebol americano – criou um protocolo obrigatório e eficaz depois de perder uma batalha jurídica. Atletas diagnosticados com a chamada ETC (encefalopatia traumática crônica), doença causada pelos golpes que os jogadores receberam na cabeça ao longo da carreira, entraram na Justiça contra a liga. 

Depois de uma batalha jurídica gigante, a liga foi condenada a indenizar atletas que foram afetados pela doença em uma ação que chegou a US$ 1 bilhão.

Como é no futebol

Hoje o futebol brasileiro segue o protocolo da FIFA. E ele não ataca de maneira efetiva o problema.

Depois dos repetidos casos de choque na Copa de 2014, a FIFA passou uma orientação sobre o que fazer em lances como esse. Aqui é importante destacar: é uma diretriz, não é um protocolo obrigatório como nos esportes americanos.

Ela diz que o médico da equipe é que vai determinar a continuidade do atleta, mas do lado de fora do campo. São três minutos de atendimento dentro do gramado, e o jogador precisa ser levado para fora de campo. O prejuízo técnico – jogar com um menos – também acelera o atendimento e não ajuda numa avaliação mais correta.

Ele tem um tempo muito curto para diagnosticar a perda de consciência, o andar desnorteado do atleta e fazer as perguntas-chave. Depois de analisar tudo isso, o médico precisa decidir se o atleta tem condição ou não de continuar. Se o médico constatar algo anormal, no vestiário um novo exame deve ser feito, e dura cerca de 10 minutos.

A conclusão é de que a determinação do futebol ainda deixa jogadores em risco, e segundo especialistas, precisa ser aprimorada.

CBF tenta mudar regras do esporte e atacar a concussão 

Segundo levantamento da CBF, capitaneado pelo Dr. Jorge Pagura, presidente do Comitê Médico e de Combate à Dopagem da CBF, trauma na cabeça é a segunda lesão mais frequente no Brasileirão por três anos seguidos. O mesmo levantamento mostra que o número de concussões diagnosticadas tem se mantido no mesmo patamar nos últimos anos. Esse fato mostra que o atual protocolo ainda é deficiente para uma lesão que pode causar danos irreversíveis no cérebro.

Sabendo disso,  a Confederação Brasileira de Futebol quer mudar as regras do jogo. E tem o apoio da Confederação Sulamericana de Futebol. As entidades entregarão um pedido à International Board – entidade internacional que cuida das regras do esporte.

Elas querem que a Board permita uma quarta substituição em caso de concussão do atleta. Ou uma substituição temporária, como existe em esportes como basquete e futebol americano.

CONMEBOL e a entidade brasileira , por meio do Dr. Pagura e com o apoio de Leonardo Gaciba, chefe de arbitragem da CBF, estão com o projeto pronto, e ele será entregue no próximo encontro da organização

Dentro dessa ideia, é indispensável a figura de um médico contratado pela entidade organizadora do evento. Ele que irá avaliar as condições do atleta e autorizar essa quarta modificação, desde que o exame aponte alguma anormalidade que indique diagnóstico provável de concussão.

A ideia é já ter esse médico de campo nas competições organizadas pela CBF a partir do ano que vem.

A idéia foi lançada, a ciência mostra o risco à saúde que os atletas correm, a justiça americana já deu números à poderosa NFL pela negligência no cuidado com o jogo…, os elementos estão todos aí. Agora, cabe aos organizadores do futebol refletirem, mudarem as regras do jogo e deixar o esporte mais seguro.

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Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.