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Lei em Campo

Esqueça discurso oficial, chance da Libertadores sair do Chile cresce

Andrei Kampff

29/10/2019 17h45

O Chile está em chamas, e a Conmebol está acompanhando de perto.

A entrevista do presidente da Federação Chilena não deixou dúvidas da gravidade da situação, e do risco da final da Libertadores mudar de local:

"A Conmebol está sendo informada do que se passa no Chile. O presidente Alejandro Dominguez ratificou que Santiago vai receber a final e é muito importante que se realize esse jogo. Mas temos que levar em conta a realidade nacional. Há um compromisso de que se jogue a final no Chile. Mas tem que ser realista. Todos esperamos a normalização. Mas insisto: há uma realidade nacional que é mais importante que o futebol nesse momento", afirmou Sebastián Moreno.

Ou seja, o próprio presidente da Federação Chilena admite que o futebol é um assunto menor nessa hora, e que nessas condições não se poderia realizar a final.

VEJA TAMBÉM: 

A partida entre Flamengo e River está marcada para o dia 23 de novembro em Santiago, capital chilena.

A Conmebol também já se pronunciou oficialmente garantindo que a final esta mantida. Mas é preciso entender o que está por trás do discurso oficial. Em nota, a Confederação diz que "a data, local e horário inicialmente estipulado" estão mantidos para a realização da primeira final em partida única na que acontecerá no Estádio Nacional, mas – ATENÇÃO – ela levará em conta a "segurança dos clubes, jogadores, torcedores e meios de comunicação credenciados, para que o único protagonista seja o futebol sul-americano".

É preciso entender o que não irá aparecer – claro – no discurso oficial.

A entidade está com medo. E calejada. A Copa Sul-americana mudou de local por causa da crise social que passa o Perú. Jogos da Libertadores Feminina foram adiados – e a competição correu risco de não sair – por conta dos protesto no Equador.

Tudo que a Conmebol não quer é um evento em lugar conturbado politicamente. Ter que cancelar uma final pelo segundo ano seguido seria uma vergonha gigantesca, já que ano passado a final entre Boca e River teve que sair da Argentina e ir para a Espanha.

Entenda: se você organiza uma festa de criança na rua, e a previsão do tempo fala que no dia pode chover, claro que você prepara um plano B. Uma entidade que lida com um grande evento não pode agir diferente. Isso é gestão de risco.

Como tem que ser, ela estuda e trabalha com todas as possibilidades. Advogados já analisam efeitos econômicos de uma transferência de final (terá que só devolver ingresso, ou será necessário indenizar aqueles que compraram passagem? E os patrocinadores que têm ações já trabalhadas para a final em Santiago, teria que ressarcir? O blog do Marcel Rizzo traz texto muito bom sobre isso.

Por isso, claro, ela trabalha com a final no Chile, torcendo muito para que tudo se acerte nos próximos dias. O feriado que emenda nesse fim de semana é uma esperança. Mesmo assim já estuda alternativas. Uruguai e Paraguai seriam duas possibilidades mais seguras. Duas partidas, Brasil e Argentina não é uma possibilidade ainda, e dificilmente será, até pelo calendário apertado para o mundial.

O fato é, o Chile está em chamas. O futebol nacional parou. Não há clima para a final da Libertadores ser disputada no país hoje, ou mesmo se fosse em uma semana o jogo. A Conmebol está assustada.

Mesmo com as concessões do governo do conservador Sebastian Piñera, os protestos não diminuíram. E a adesão popular cresceu.

Pessoas que moram por lá, e com quem conversei, relatam dias de tensão, com momentos que remetem a uma guerra civil. E todos reforçam que ela não tem como cerne o aumento de 30 pesos chilenos (0,17 real). O Chile incendiou por causas muito mais profundas e sérias. Uma catástrofe civil que está relacionada, principalmente, à permanente desigualdade social que atinge muitos países do mundo, e todos da América do Sul.

Ricos ficando mais ricos. Pobres perdendo direitos, e se conscientizando de que os degraus da sonhada escalada social aumentaram.

O Chile é o país mais desigual entre os filiados à OCDE (Organização para Coperação e Desenvolvimento Econômico). Além disso, a capitalização da aposentadoria fez com que os vencimentos dos aposentados fosse reduzido pela metade. O Chile é dos países do mundo com maior taxa de suicídio na terceira idade.

Os próximos dias serão decisivos para saber qual será a resposta popular. A cada dia com tumulto, a cada novo incêndio no Chile, cresce a chance de Santiago perder também a final da Libertadores.

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Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.