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Lei em Campo

Uso de redes sociais antes dos jogos atrapalha desempenho dos jogadores

Andrei Kampff

22/01/2020 04h00

Basta pegar as cenas de bastidores de grande parte dos times de futebol do Brasil e será possível ver os jogadores antes das partidas com um aparelho celular nas mãos. Mas segundo um estudo conduzido na Universidade Federal da Paraíba essa prática tem atrapalhado o desempenho dos atletas em campo. Isso porque os resultados mostraram para os pesquisadores que usar redes sociais, mexer no celular ou jogar videogame com até 30 minutos de antecedência de um jogo prejudica a tomada de decisão na hora do passe durante a partida. Em média os atletas pioraram aproximadamente 7% no desempenho da tomada de decisão do passe sob estado de fadiga mental.

"Um atleta sob estado de fadiga mental tem aumento da percepção de cansaço. Basicamente, um atleta sob estado de fadiga mental se sente mais cansado durante um jogo e, por isso, corre menos em campo (menor distância total percorrida) em razão do aumento do desengajamento da tarefa", explica ao Lei em Campo Leonardo Sousa Fortes, líder do laboratório de Exercício Físico e Desempenho Esportivo da Universidade Federal da Paraíba e autor principal do estudo.

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O processo de tomada de decisão envolve mecanismos cognitivos do cérebro, como percepção, atenção, antecipação e a memória. Assim, é do interesse dos clubes que seus jogadores estejam cada vez mais concentrados nas atividades dentro de campo. Para isso, as entidades podem recorrer a instrumentos jurídicos na tentativa de garantir foco total nas partidas.

"Se o clube quiser fazer uma programação pré-jogo em que o atleta precisa estar completamente imerso, o que significaria não fazer uso de rede social por um determinado período, se estiver previsto em contrato e tiver assinado, não tem problema nenhum. Pode colocar isso. sim. O que é complicado é proibir todo e qualquer uso de forma irrestrita. Aí é um pouco mais complicado, mas em determinado período por determinadas funções, não vejo problema", justifica a advogada especialista em direito esportivo Danielle Maiolini.

Segundo Luiz Marcondes, presidente do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo, a Fifa dispõe desde 2008 que ao assinar o contrato, o atleta tenha em anexo o código de conduta da agremiação com a qual está firmando vínculo, para que ele saiba como é o dia a dia naquele clube.

"Avaliar sobre o prisma unicamente da legislação pátria, da legislação brasileira, acho que seria uma visão míope do caso. Avaliando sobre a o aspecto da legislação brasileira, da CLT, bem como a Lei Pelé, penso que sim, o clube pode disciplinar a utilização de rede social, de aparelhos, a utilização de mecanismos pra que o atleta se pronuncie publicamente, em especial, em especial no período de trabalho", afirma Marcondes.

De acordo com o estudo, quando os atletas estão fatigados mentalmente, eles fixam mais o olhar nos jogadores adversários ao mesmo tempo em que passam a prestar menos atenção nos movimentos de desmarque dos companheiros de equipe, influenciando diretamente na tomada de decisão dos passes em uma partida.

"Na verdade, o que acontece é que a alta demanda cognitiva (processamento de informação com elevado foco de atenção) realizada antes de treinos e jogos pode comprometer o desempenho cognitivo de jogadores de futebol. O que os nossos estudos foram pioneiros, foi demonstrar que os aplicativos de redes sociais em smartphone e o videogame são atividades que, uma vez realizadas por pelo menos 30 minutos de forma ininterrupta, pode acarretar efeito detrimental no desempenho da tomada de decisão do passe (incapacidade de extrair e processar informações adequadas do ambiente externo)", pondera Leonardo.

Foram quatro testes, um por semana, durante um mês, com jogadores de uma equipe da Série C do Campeonato Brasileiro. Os 25 jogadores foram separados em três grupos, cada um usando um dispositivo: videogame, assistir vídeos no celular e o uso das redes sociais.

Depois, os jogadores passaram por um Stroop Test, que é um teste cognitivo realizado no computador, que consiste em avaliar o tempo de resposta e o nível de acertos. O teste foi feito antes e depois dos jogos disputados, que foram filmados e analisados para medir o nível de acerto de passes.

Para entender a dificuldade do processo de tomada de decisão, é preciso entender o que é a fadiga mental. É um estado psicobiológico de sensação de cansaço e falta de energia. "Ela é acarretada por alta demanda cognitiva (atividade com elevado foco de atenção) por período prolongado (em torno de 30 minutos)", esclarece Leonardo Sousa Fortes.

Existem alguns mecanismos neurofisiológicos que podem explicar a fadiga mental, como o aumento da concentração de adenosina no córtex pré-frontal, o qual inibe a atividade da dopamina (neurotransmissor da atenção). Além disso, tem redução de atividade sináptica no córtex pré-frontal.

"Estudos científicos têm indicado que o atleta de futebol sob estado de fadiga mental apresenta o desempenho físico (distância percorrida, quantidade de sprints em jogo), tático (deslocamentos dentro de campo e ocupação de espaços vazios), técnico (gesto motor para realização do passe) e cognitivo (tomada de decisão) comprometidos. Cronicamente ainda não podemos afirmar nada, embora o nosso grupo de pesquisa aqui da UFPB já apresentou em congresso internacional (fomos pioneiros) os primeiros dados científicos revelando que atletas que treinaram durante 4 semanas sob estado de fadiga mental crônica (induzido por smartphone antes dos treinos) não melhorou aptidão aeróbia e desempenho cognitivo", ponderou o pesquisador.

Nos testes realizados, três atletas tiveram piora maior do que 15% o desempenho da tomada de decisão do passe sob estado de fadiga mental. Os dados indicam que atletas com menor instrução talvez sejam mais susceptíveis a fadiga mental induzida por smartphone, o que poderá comprometer ainda mais o desempenho.

"Esperamos que as comissões técnicas de equipes de futebol controlem o uso de rede social em smartphone e videogame antes das sessões de treinamento e jogos oficiais dos atletas", finaliza o pesquisador Leonardo Sousa Fortes, que conduziu o estudo.

Por Thiago Braga

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Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.