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Manipulação de resultado. Proteção ainda é pequena no esporte

Andrei Kampff

01/06/2019 11h53

A graça do esporte está na incerteza do resultado. Se todos soubessem de véspera qual seria o placar de um jogo, o esporte perderia força, e a paixão encolheria.

Por isso vários dos princípios do direito esportivo visam garantir essa imprevisibilidade, como a paridade de armas, que é dar condições iguais aos competidores.

Daí porque é fundamental, entre outras coisas, combater a manipulação de resultado.

Normalmente essa fraude ocorre por interesse financeiro, mas ela também agride a natureza do esporte.

É preciso entender as razões da pratica criminosa e como o esporte está se protegendo. Um problema que também se apresenta nos esportes eletrônicos.

E, no Brasil, nossa legislação ainda é vulnerável. Avançamos, mas de maneira lenta.

É o que conta Nicholas Bocchi, advogado especializado em Direito Esportivo e colunista do lei em Campo.


No esporte, a vitória não é certa – ao menos não deveria ser. A imprevisibilidade do resultado do espetáculo esportivo é um dos maiores alicerces, se não o maior, do mercado esportivo, pois atrai espectadores e inflama a paixão do torcedor.

O matchfixing, ou "manipulação de resultado", é o ato de fraudar o resultado do jogo, e qualquer que seja a sua motivação, esse ato deve ser rechaçado. Casos de matchfixing têm se tornado cada vez mais comuns em razão do gigantesco mercado de apostas esportivas, e já houve diversos escândalos do gênero no eSport.

Para entender melhor esse fenômeno, serão exploradas nesta semana aqui no eSports Legal a motivação e as formas de prevenção e repressão da manipulação de resultados no Brasil.

 

Motivações do matchfixing

A manipulação de resultado nem sempre ocorre por motivações financeiras. Na realidade, os casos mais antigos de manipulação de resultado se deram por razões puramente esportivas.

Um exemplo é entregar a partida quando a derrota beneficia o time, seja para evitar jogos contra algum adversário na fase seguinte da competição, seja para eliminar propositalmente outro time – normalmente rival – que depende do resultado.

Outro exemplo é o ato de combinar um resultado com a equipe adversária que beneficia ambas as equipes na competição. Um caso famoso no futebol é o Jogo da Vergonha, na Copa do Mundo de 1982.

Entretanto, com a popularização do esporte, a globalização, criação de novas formas de organizar o esporte, o avanço da tecnologia e, principalmente, o desenvolvimento do mercado de apostas, novas motivações para o matchfixing surgiram.

Com o mercado de apostas sendo desenvolvido, surgem os aliciadores, que abordam qualquer um que tenha capacidade de manipular o resultado do jogo (clubes, atletas, treinadores, árbitros, etc.) e oferecem alguma vantagem – patrimonial ou não – ou fazem ameaças para que eles realizem a fraude.

Só o mercado brasileiro de apostas movimenta cerca de  R$ 4,3 bilhões anualmente, mas é necessário observar que, por conta da tecnologia, é possível apostar em resultados de partidas esportivas brasileiras de qualquer lugar do mundo.

Isso faz com que o crime organizado do mundo inteiro tenha interesse em realizar o matchfixing em países com pouca ou nenhuma regulamentação de apostas, portanto, pouca prevenção e/ou repressão da manipulação de resultados – no que o Brasil se encaixa perfeitamente. Outra vantagem de cometer esses crimes é que o dinheiro ganho por meio de apostas já vem "lavado".

Mas o esporte moderno não trouxe apenas motivações puramente financeiras para o matchfixing; o "tanking", por exemplo, é a estratégia de perder várias partidas propositalmente para poder contratar o melhor jogador em ligas americanas que fazem draft. Apesar de estar presente interesse financeiro nesse tipo de manipulação de resultados, existe também o interesse esportivo envolvido.

 

Prevenção e repressão do matchfixing no Brasil

A regulamentação para apostas no Brasil é atrasada e insuficiente e faz com que a prevenção da manipulação de resultados seja extremamente difícil.

Em 2005 foi descoberta a Máfia do Apito, um esquema de manipulação em que diversos juízes alteravam resultados de jogos em troca de vantagem financeira. Apesar de terem sido banidos da modalidade administrada pela FIFA, os envolvidos nunca foram condenados criminalmente, mesmo tendo sido acusados. O motivo é simples: não havia, na legislação brasileira, a previsão do crime que haviam cometido.

Foi só em 2010 que foram incluídos, no Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003), os artigos 41-C, 41-D e 41-E, que cuidam de tipificar a conduta de todos os envolvidos no matchfixing como crime, verbis:

Art. 41-C.  Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado: (Redação dada pela Lei nº 13.155, de 2015)

Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.

 

Art. 41-D.  Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva ou evento a ela associado: (Redação dada pela Lei nº 13.155, de 2015)

Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.

 

Art. 41-E.  Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado: (Redação dada pela Lei nº 13.155, de 2015)

Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.

A tipificação das condutas não deixa de ser um progresso, porém, observa-se que as vantagens de realizar a manipulação de resultados ainda superam, em muito, os riscos. O Brasil continua vulnerável e avança muito lentamente para deixar de sê-lo, colocando o esporte nacional em risco de perder – mais ainda – a sua credibilidade.

 

Matchfixing nos eSports

Os operadores da manipulação de resultados não têm modalidade preferida. As apostas feitas em qualquer uma delas são extremamente rentáveis.

Já foram deflagrados diversos escândalos de matchfixing nos esportes eletrônicos, em especial na Coreia e outros países orientais, onde a modalidade é bastante consolidada. Porém, estão se tornando cada vez mais comuns os casos de manipulação de resultado no Ocidente, inclusive no Brasil.

Na próxima semana, aqui no eSports Legal, serão abordados os casos de matchfixing mais relevantes e também os mais recentes que ocorreram nos esportes eletrônicos.

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Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.


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