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Árbitro tem lei própria. Típico caso de ineficácia jurídica

Andrei Kampff

23/07/2019 05h10

Acho importante hoje falar de uma lei que não funciona. Ou seja, ela existe, mas não tem eficácia. Afinal, segundo Hans Kelsen – austríaco e um dos maiores influenciadores da história do direito –, a eficácia do direito se dá quando os homens agem de acordo com as normas jurídicas. Ou seja, uma lei só é válida quando atinge sua finalidade. Não é o caso da lei do árbitro. 

Costumo trazer neste espaço histórias que transformaram as regras do jogo. Seja por uma lei, por um movimento esportivo, por uma decisão da Justiça, seja até em função de uma tragédia (quando um fato mostra a necessidade de se proteger mais a integridade dos atletas). Não é o caso da Lei 12.867/2013. 

O que diz a lei?

São muitos os problemas. A começar pelo fato de que os árbitros nem sequer são tratados como manda essa lei, como profissionais (se for dar uma olhada, não se espante, ela é realmente preguiçosa e não protege em nada a categoria, pelo contrário). A Lei, que trata árbitro como profissional e ele segue sendo amador, é um grande exemplo de ineficácia jurídica. 

Para piorar, a Lei Pelé estabelece que os árbitros não têm vínculo de emprego com a entidade pagadora do seu "salário".

Há tempos que a arbitragem tem sido protagonista no futebol brasileiro (e mundial). E, na maioria das vezes, não foi por receber elogios. Na minha opinião, vai continuar sendo assim enquanto algo fundamental não mudar: árbitro precisa ser de fato um profissional do apito. 

A arbitragem no Brasil precisa ser repensada. Ela tem que ser discutida e debatida por todos os operadores do esporte. Legisladores, associações esportivas e árbitros, claro.

Árbitro é garoto-propaganda

Até em função desse vazio jurídico, com uma lei que não serve para nada, pipocam problemas. Como se vende um patrocínio para a camisa do árbitro e ele não recebe nada para virar garoto-propaganda em um jogo visto por milhões de pessoas? 

Já existem decisões judiciais que determinam que o árbitro receba por esses patrocínios. Magistrados entendem que as entidades esportivas que escalam os árbitros e determinam o uso do uniforme exploram de maneira abusiva a imagem deles ao firmar contratos com terceiros para exposição de marcas nesses uniformes. Sem qualquer repasse a quem aparece expondo o nome dessas empresas. 

E aqui uma consideração se faz importante. Diferentemente do direito de arena, o direito de imagem é um direito fundamental, personalíssimo e inviolável, garantido pela Constituição Federal, com direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Além disso, a CF também protege as participações individuais em obras coletivas e a reprodução da imagem e voz humanas nas atividades desportivas. 

E tudo isso acontece porque não existe uma profissionalização de fato dos árbitros. Com medo das implicações que isso traria, nem sequer se cobra dos árbitros dedicação exclusiva à atividade. 

Existem caminhos

Em países como Inglaterra, Espanha, a relação é outra. O árbitro tem salário e uma remuneração a mais por jogo trabalhado. É possível. E seria mais justo.

A remuneração e a dedicação exclusiva seriam importantes para a atividade, e são reinvindicações antigas dos profissionais do apito. 

A profissionalização – de fato – não elimina erros, mas os diminui. Diminui porque traz com ela uma preparação mais adequada, um compromisso maior. E também deixa mais legítima qualquer reclamação por erro.

Nossa legislação precisa mudar! 

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Sobre o autor

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós-graduando em Direito Esportivo e conselheiro do Instituto Iberoamericano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

Sobre o blog

Não existe esporte sem regras. Entendê-las é fundamental para quem vive da prática esportiva, como também para quem comenta ou se encanta com ela. De uma maneira leve, sem perder o conteúdo indispensável, Andrei Kampff irá trazer neste espaço a palavra de especialistas sobre temas relevantes em que direito e esporte tabelam juntos.


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